Aperitivo da Palavra

Pintura: Sylvana Lobo

AOS EDITORES, UM NOVO AUTOR E SEU BELO LIVRO

Por W. J. Solha

Dois dias depois de me dizer que não lera meu poema longo Marco do Mundo porque uma virose que lhe afetava os olhos o atormentava, deixando-me muito preocupado, Esdras do Nascimento me passou e-mail falando da entrevista que eu dera aqui para o Fabrício Brandão, no Diversos Afins, e, mais:

– Gostei muito e me interessei por um romance que você elogia muito, nela, O Autor da Novela, de Tarcísio Pereira, que permanece inédito. Você poderia conseguir os originais para mim?

Tarcísio Pereira é um profícuo dramaturgo, romancista de excelente nível e ganhara a Bolsa de Incentivo à Literatura da Funarte com esse livro. Residente, como eu, em João Pessoa, é oriundo de Pombal, no alto sertão daqui da Paraíba, cidade onde vivi oito anos como funcionário do BB. Ele se entusiasmou com o prêmio, e imaginava, por causa dele, ser procurado por grandes editoras afins de publicá-lo, mas botei seus pés no chão:

– Olha, Tarcísio: para mim, pelo menos, a Bolsa não me rendeu nada além do dinheiro que me permitiu uma deslumbrante viagem pra Londres e o pagamento de uma edição do Relato de Prócula pela A Girafa. Quem sabe meu nome – depois de editar pela Record, Bertrand Brasil, Ática, Moderna, Codecri e Itatiaia – esteja em alguma lista negra e pra você, desconhecido delas, a reação seja diferente.

Não foi. Daí que pensei duas vezes, olhando para o e-mail do Esdras, e concluí que deveria fazer a ponte entre ele e Tarcísio. Sua opinião – se favorável – poderia, quem sabe, abrir caminho pro amigo em dificuldade. Fiz isso e, dois dias depois, Tarcísio me manda uma cópia da mensagem que recebera do grande autor de A Rainha do Calçadão, romance para o qual, aliás, eu fizera alentada e entusiasmada resenha para o mesmo Diversos Afins:

Em 19/06/2012 16:06, esdrasn@uol.com.br escreveu:

OI,
Acabo de ler seu romance.
Excelente.
Há muito tempo eu não lia texto tão
bom, tão bem estruturado, tão divertido,
com personagens admiravelmente bem criados.
Parabéns.
Vindo ao Rio, me telefone para um chope. 22851682.
Espero já estar recuperado da paralisia facial que vem
me aporrinhando há dois meses, para que possamos conversar
à vontade.
Semana que vem lhe mando “A dança dos desejos, Opus 13”,
publicado pela A Girafa.
Li a resenha do Solha sobre “O autor”. Muito boa.
Vc deve conhecer o romance do Vargas Llosa sobre
tema idêntico.
O que achou?
Um abraço.
Esdras

Well, I… welll, I…. não veio  nenhuma promessa de intervenção para publicação da obra, mas esse e-mail pode ser lido por algum bom editor, agora, que adquira os direitos do achado.

O que é O Autor da Novela?

É um romance que literalmente li – como se diz – de uma sentada só. Faltavam cinco para as onze da noite quando cheguei à última das 170 páginas em A4, que devem dar cerca de 210 em livro. Tive a alegria de telefonar pro Tarcísio às oito da manhã seguinte, pra lhe dizer que gostara muito do livro. Muito mesmo. E que me surpreendera ver quanto o nosso escritor crescera como romancista, de Agonia na Tumba – que já é muito bom – pra cá.

O Autor da Novela tem uma desenvoltura, uma fluência impressionante, por servir-se do expediente das novelas radiofônicas – como a Maria de Todos, criada e dirigida por seu personagem principal – que é a de terminar cada capítulo curto deixando o ouvinte (e o leitor) com a velha pergunta “e depois?, e depois? ”, num macete – salientado pelo próprio Tarcísio, no livro – que já vem da Sheerazade de As Mil e Uma Noites.  Para minha felicidade, o romance não só sacia, como sempre supera essas expectativas. Para isso, conta com uma série de personagens dignas de Dias Gomes (que inclusive aparece na narrativa), e várias situações novelescas, todas criativas como o diabo.

A história se passa por volta de 1970, quando a televisão chega a Pombal e  à região circunvizinha, onde tudo acontece. Eu estava lá, por sinal, e trabalhei para isso – como presidente do Conselho de Desenvolvimento do Município – sem saber que estava – rs rs rs – lascando o personagem de Tarcísio. Explico: sem se imaginar às vésperas desse evento marcante na vida sertaneja, Diá – O Autor da Novela – evolui de seus trabalhos na difusora do lugarejo onde mora, aproveitando-se de sua experiência de escrevinhador de cordéis desde a infância, para passar a produzir em prosa, na forma de novela de rádio, nos moldes da extremamente popular O Direito de Nascer, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que marcara sua infância. As repercussões de sua criação, bem local, na audiência da cidadezinha e arredores, são todas inteligentemente, humoristicamente exploradas por Tarcísio. E é aí, quando tudo vai bem, no melhor dos mundos possíveis, que o prefeito instala a tal TV na praça central do município, esvaziando toda a audiência do radialista que já se tornara celebridade. Por sinal, em 2002, quando eu trabalhava no filme Lua Cambará, vi, num lugarzinho assim, 70 km ao sul de Fortaleza, uma televisão acoplada a um poste, numa praça cheia de gente assistindo à novela das oito. O efeito dessa novidade no nosso herói fez com que ele me lembrasse Chaplin revoltado com o advento do som no cinema.

Meu grande medo era Tarcísio não sustentar o ritmo contagiante até o fim. Mas ele se sai notavelmente bem também nisso, de modo que a Paraíba já pode se orgulhar de mais uma obra literária à altura de seu invejável currículo.

Bem.

Conclusão. Não vou mais atormentar o Esdras a ponto de fazê-lo constranger-se ante o fato de não querer me dizer que não tolerou meu poema longo. Ele é apaixonado. Quando gosta de uma obra, gosta. Quando não gosta, não gosta mesmo. Nunca me incluiu em sua reiterada lista dos melhores romancistas brasileiros, mas chegou a dar uma oficina sobre meu Relato de Prócula, no Rio, o que me pareceu muito.

Que o livro do Tarcísio Pereira decole.

(W. J. Solha lançou Relato de Prócula em 2009, pela A Girafa, romance escrito com incentivo da Bolsa da Funarte de 2007. Em 2006, obteve o Prêmio Graciliano Ramos por sua História Universal da Angústia, Ed. Bertrand Brasil. Em 2005, o Prêmio João Cabral de Melo Neto pelo poema longo Trigal com Corvos, ed. Palimage, de Portugal. Em 2011, publicou o romance, Arkáditch, pela Ideia Editora. Recentemente, lançou seu mais novo livro, o poema longo Marco do Mundo)

 

 

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