Aperitivo da Palavra

Palavras bailarinas na sala de leitura

Por Neuzamaria Kerner

 

Profundanças

 

Aprofundamento no sentido mais vertical da palavra. Abundância do profundo no mais profundo da alma. Isso deve ser a Profundança. A alma aqui é o livro perpassado pelo filtro da poesia que habita nessas páginas de poemas e imagens femininas. As imagens, representações da psique das 13 escritoras que partiram de vários lugares e caminharam até o ponto de encontro: esta antologia. Elas desfilam vestidas de poemas, sendo vistas desde a apresentação do livro feita pela organizadora Daniela Galdino.

Profundanças: antologia literária e fotográfica em sua 1ª edição virtual, Voo Audiovisual, 2014, vindo de Ipiaú (BA), pousa nos campos virtuais para espalhar poesia.  Na imagem de abertura uma mulher sobe degraus de uma escadaria como que simbolizando o progresso, a realização de desejo consubstanciado no livro pronto. 13 escritoras desengavetam suas palavras para que povoem o universo; 13 escritoras tratam de recolher as mazelas desaprisionadas da caixa de Pandora para que sejam reconfinadas até elas aprenderem com a Esperança – que havia ficado no fundo da caixa – sobre a importância da arte como elemento que transubstancia palavra em alimento para a alma.

Belisa, Brisa, Calila, Celeste, Daniela, Fernanda, Lorenza, Márcia, Potira, Raquel, Renailda, Say e Valquíria misturam suas experiências individuais e apresentam um modelo de pertencimento a uma comunidade artística de alto gabarito que interage com um público leitor que lança sua rede no mais profundo mundo virtual para buscar o melhor pescado.

A distribuição dos textos é feita com mistura de versos e prosas onde as autoras puderam expressar suas profundanças com muita leveza e liberdade, incluindo a apresentação de fotografias delas mesmas como extensão da palavra escrita. Elas estão presentes. Os textos têm a cara das donas e é muito interessante observar como cada palavra escrita identifica cada uma delas.

As fotografias vão como que revelando o cotidiano das moças e ilustrando o espírito do livro na medida em que o olhar dos fotógrafos vai capturando as profundanças dos momentos e perpetuando os movimentos das escritoras. Assim acontece o entrelaçamento das palavras e imagens quando Martinho, empunhando a câmera, olha o olhar de Valquíria que fala:

Empunho o que sou,
porque o ser que me habita
não quer o que esfria,
ao contrário,
pede o que borbulha.

 

Fafá surpreende Say entre panelas – dispostas no altar para o banquete – grafites, flores e estampas na saia. Mais uma vez a imagem casa com a poesia:

Escondo, na parte de dentro,
Do estampado florido de minhas saias
Um respiro calmo no altar de mim.

Márcia e Jéssica se encontram num diálogo aparentemente desencontrado. Só na aparência mesmo, posto que da cor seca do sertão brota a florada de quem, como num ato de contrição, escreve poemas:

Meu sertão tem a cor amarela
Como as folhas no outono
E a minha saudade tem a cor sépia
Como numa fotografia
uma saudade assim
envelhecida.

Uma árvore prenha guarda águas sertanejas para matar as necessárias sedes. É assim a natureza: resistente e adaptável porque criativa. Como um útero aconchegante carrega dentro de si a poesia que germina e se desenvolve pela palavra forte de Celeste e pelo gatilho da câmera de Ravena. Belo encontro!

É dispensável neste momento escrever sobre as autoras, posto que no final do livro a organizadora teve o cuidado de apresentá-las numa Mini Bio d@s participantes de um jeito muito mais interessante de forma que o leitor poderá conferir e entender o porquê dessa ausência de explicações nesta resenha. Além da apresentação das escritoras, Daniela Galdino abre espaço detalhado para mostrar quem fotografou e quem ajudou na produção do brilhante material que a partir de agora está no mundo através da boca e da pena das autoras deste livro.

Olho-me no espelho nua por dentro

porque

Fui nomeada no esteio do vento.

Sou eu, ácido, violão sem cordas

E me extasiando com sua música surda

tenho medo dos sussurros das palavras

e

começo a pender para direções esquecidas

buscando os caminhos que

as quinas das portas cortam meus passos.

Há mofo no teto e gotas de chuva nas cortinas

e a minha saudade tem a cor sépia

na presença do enxofre envelhecedor de fotografias… mas

prometo gozar o atraso dos dissabores

sintomas de precipício/ predicados de botequim

Ah!… O que tenho?

Tenho tanto medo de deus / que até fraquejei com esta caneta,

porém depois de cada inverno inscrito

eu sempre voltarei para o verão dos teus braços

porque é neles que

os meus cabelos / escondem navalhas errantes

mas que não podarão a profundança de cada palavra poemada.

* Os textos em itálico são os títulos das falas das autoras deste precioso livro.

“Profundanças” está disponível para download no site Voo Audiovisual.

Neuzamaria Kerner, baiana de Salvador, é professora e escritora. Tem publicados os livros: “Fragmentos de Cristal”, “Eu Bebi a Lua”, “A Presença do Mar na Prosa Grapiúna”, entre outras publicações em revistas literárias. Seu mais recente rebento poético é “O Livro-Arbítrio das Evas – Dentro e Fora do Jardim” (Ed. Editus – 2014).

Clique para imprimir.

1 comentário

  1. Um encanto poético!Um cheiro de expectativa! A cada dia a MULHER surpreende com suas poesias.Que se abram suas Caixas de Pandora.Parabéns, em especial a nossa Valquíria Lima que orgulho nosso território(sisal) com suas obras cheias de vida.

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *