Dedos de Prosa I

Jorge Mendes

 

 

Foto: Peterson Azevedo

 

 

agora que setembro chegou

 

deixa eu entrar nesse mundo estranho de flores letárgicas e comprimidos que causam rupturas. tenho um par de botas e uns truques sujos na manga caso você precise gritar entre os girassóis. antes me diz quem te assustou o olhar, te viciou no corrosivo, deu o clique. deixa eu fazer parte desse enredo enérgico: também sinto medo e bebo até o chão virar gelatina. adoro tua tristeza na areia da praia, as canções das máquinas binárias, a maneira febril do teu cabelo no rosto. seja generosa comigo e deixa eu participar da tua festa no gelo, dos teus joguinhos extremos no quarto escuro, do silêncio repentino dos homens e das coisas um pouco antes do mundo explodir. ao redor só vejo vultos fossilizados e fui atraído pelo frio. há algo confuso, um descontrole e mágica assassina quando tu passas incendiando os prédios centrais. bebe um conhaque comigo, fique parada com cara de fada louca bem na minha frente. vamos nos divertir agora que é setembro, antes que o sangue esfrie e a gente vire esse jardim grotesco, esse horror que todo mundo é.

 

 

 

***

 

 

diga adeus antes de ir embora

 

não me ame com sangue debaixo da unhas, com ódio nos dentes, com venenos finos nos olhos, na ponta da língua. não atire nosso prato de yakisoba caseiro no chão da cozinha, não cuspa as canções do kurt cobain na minha cara, não grite na fila do banco que me quer morto em pedacinhos. não seja hostil com os garçons da madrugada, não rasgue nosso retrato do dia perfeito, não desligue o telefone e nem bata a porta dizendo palavras cruéis. não vire santa prus cadáveres dos subterrâneos. não me deixe fritando na festa dos canibais. perdão se não sou e nunca fui o príncipe-fodão que você sonhou olhando a tempestade cair no seu jardim dos horrores. perdão se bebo muito e não distribuo sorrisos nem frases de efeito relaxante pra rapaziada da intelligentsia. sinto tudo, sinto medo, sinto muito e vivo dentro do meu bloco de gelo com meus demônios fazendo festinha no peito. então não me beije com rancor, não me derrube da cama, não morda meu pau, não me foda por vingança, não me arranque o coração, não me faça sangrar e não precisa empurrar porque já estou saindo.

 

***

 

 

brasa

essa garota que anda por aí incendiando avenidas, destruindo linguagens, derretendo estruturas, me pegou de jeito, pegou gostoso. também só queríamos beijo na nuca, amasso em toda curva escura, coisas do corpo e outros hipnóticos. por exemplo, se me perguntarem o nome dela eu digo saliva, língua, navegação. tem esse sabor de sal e pétala nos seios de mamilos bizantinos, esse cheiro de nicotina e oceano atlântico nos cabelos desestruturados, canções de aretha franklin e afundo. vejo nuvens carregadas de eletricidade e desejo, clarões púrpuras no escuro céu e o corpo segue formigando na onda que é quente quente quente. ela dança no fogo, encantada. com os braços abertos, inventa os passos com o cabelo no rosto, voa. estamos no impossível. no nosso circuito fechado: ninguém nos toca. ninguém nos vê e nos divertimos pelos extremos. claro, no mundo tem ioga, homeopatia, hipócritas e suicidas. mas caímos na abundância, no mergulho na brasa rubra. combustão é o nome da coisa. então amanhã a gente discute o medo e o porvir. fala de dinheiro. arma um esquema perfeito. hoje, porém, só o caos selvagem, a boca no pau, língua e lábios em colisão. hoje, agora, só o corpo, o fogo, o que for bom.

 

 

(Jorge Mendes é formado em história, “quase” pós-graduado em teoria da comunicação pela eca-usp (abandonou o mestrado pra viajar por aí), avesso a qualquer tipo de glamour, leitor voraz de brautigan, amante do vinho e da cachaça, pede pouco e recebe na cara e nunca tem ninguém por perto quando bate a vontade de cortar os pulsos)

 

 

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1 comentário

  1. É isso, cara! Gostei do seu texto quebrando os paradigmas, mas reinventando a linguagem. Curto e provocador.
    Abr.,

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