Dedos de Prosa II

Dênisson Padilha Filho

 

Alessandra Bufe Baruque

Arte: Alessandra Bufe Baruque

 

VAI POR MIM, BABY

 

Uma rua de bares, uma massa de gente feliz à tardinha. No ar uma luz âmbar coloria os olhos.

― Veja uma longneck.

― Pra mim um Campari.

― O que vai fazer agora, que saiu de mochila?

― Sinceramente? Pensei em ir morar com você.

― Já falamos sobre isso…

― Já sei o que vai dizer: “espere ao menos completar dezoito”.

― Sempre falei isso, mas acho que você não entendeu.  Queria dizer que você deve ter dezoito pra sair de casa, não pra morar comigo.

― Ah é? E que idade eu devo ter pra morar com você?

― Paula, não dificulte; você está entendendo.  Você tem a idade da minha filha.

― Mas não sou sua filha!

― Aqui pode fumar charuto?… Pode? ― ao garçom ― O senhor tem isqueiro?

― O que você sugere então?

― Acho que você deve voltar pra casa de seus pais.

― Você deve estar brincando.

― Sério…

― É assim que você me ama?

― Não é questão de amar ou não; é bom senso. Não faça isso com seus pais.

― Você tá pensando mais neles do que em mim.

― Um pai morre de culpa com uma coisa dessa; vai por mim, baby, de culpa eu entendo. E depois…

― Sua ex!… Eu sabia!

― Ela não é apenas uma ex; é mãe da minha filha! É tão difícil entender? Tô até vendo ela me chamar de Polanski, Woody Allen… E você de Lolita.

― Quer saber?! Pra mim chega!

― Calma, termina o Campari, pelo menos…. Chega o quê?  Aonde vai, vai viver de quê?

― Não lhe interessa… vou virar puta, pronto..

― Paula, sente aqui, vamos conversar.

― Aliás, virar não; porque sempre fui sua puta; mas agora pelo menos vou saber quanto custo.

― Paula, fale baixo, venha cá.

― Fale baixo uma ova! Pra mim deu!

― Putz!

 

 

― Garçom! Traz outra? … Conhece?

― De vista; mas não acredito que vai fazer o que falou. Sei que é de boa família. O pai vem sempre aqui.

― O pai vem sempre aqui? Sério?!

― Vem. Senta sempre nas mesas de fora.

― Putz! Nunca vi aqui! Nunca coincidiu.

― O senhor conhece o pai dela?

― Conheço demais!  Amigo de mais de vinte anos.

― A menina, então, o senhor viu nascer.

― Ah vi. E digo mais, aquela ali é como se fosse minha filha! O senhor pode trocar o cinzeiro?

― Pois não, senhor.

No bar em frente, uma música feliz, a massa de gente crescendo, e a mesma luz eufórica dançava na curva de cada rosto.

 

Dênisson Padilha Filho (1971) é baiano. Escritor e roteirista de audiovisual. É mestre em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia. Publicou “Menelau e os homens” (2012, contos e novelas), “Carmina e os vaqueiros do pequi” (2003, romance) e “Aboios celestes” (1999, contos). Em 2014, lançou “O herói está de folga”, volume de contos publicado pela Editora Kalango.

 

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2 Comentários

  1. Isso se chama passar a vida a limpo e, para fazê-lo tão bem, uma cerveja é pouco. Que bela representação do “real”, cara!

  2. Obrigado pelas palavras, José Carlos.
    Um abraço.

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