Dedos de Prosa II

Desenho: Rui Cavaleiro

 

DURMAM, SEUS TROMBADINHAS!

Roberta Simoni

 

Tentei colocá-los para dormir mais cedo. Vesti todos com pijamas de algodão com estampa de bolinhas. Acomodei-os em travesseiros fofinhos. Fronhas e lençóis limpinhos. Cheiro de lavanda, tecido florido. Janelas e cortinas fechadas. Luz apagada e…

Um deles levantou-se invocado e disse: não gosto de bolinhas! O outro: prefiro listras. O outro: tem uma camisola? Na outra extremidade da cama, um anunciou: vou dormir pelado! Pro cacete vocês todos. Durmam como quiserem, desde que durmam!

Por fim, eles todos: tem café?

Brigaram por espaço na cama, se acotovelaram, fizeram guerra de travesseiro, treparam feito loucos. Discutiram, duelaram e se amaram. Fumaram meu último cigarro. Quebraram minha única taça de vinho. Beberam todas as minhas garrafas d’água no gargalo. Abriram o Chandon que eu estava guardando. Esvaziaram minha dispensa. Escancararam a janela do meu quarto. Puxaram minha coberta. Deixaram meus pés de fora…

Espalharam livros pela minha cama e não me deixaram ler nenhum. Nem escrever. Falaram a noite inteira. Me desconcentraram, distraíram e dispersaram. Julgaram, ofenderam e divertiram. Riram alto. Gritaram no travesseiro. Morderam fronha. Puxaram meu cabelo. Fizeram cafuné. Não tiraram um cochilo. Viram o dia amanhecer comigo. Me esvaziaram e depois dormiram feito anjos.

Meus pensamentos ocuparam, outra vez, o lugar que é seu na minha cama.

(Roberta Simoni é jornalista e fotógrafa e foi só quando descobriu que podia unir as duas linguagens numa mesma forma de expressão (e impressão) que começou a se realizar como escritora, carreira que assumiu recentemente, quando finalmente percebeu que não tinha mais pra onde correr)

 

 

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3 Comentários

  1. Ai, como eu queria que fossem uns animais de Cortázar!

  2. Texto sutil, gostoso de ler. Deu vontade de ler mais das mesmas mãos que puseram essas linhas no papel. Onde encontramos mais?

  3. Por que é que leitor sabido tem que sempre apelar para referências célebres, banalizando escritores que apenas investigaram com talento e sem complacência a historica dor humana? Cortazar em todos os molhos nada acrescenta a esta otima contista.

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