Dedos de Prosa III

José Aloise Bahia

 

CONTRATEMPOS LIBERDADE || O BEM-TE-VI ABSTRATO-GEOMÉTRICO || A HISTÓRIA SE REPETE

Tudo já foi dito uma vez, mas como ninguém escuta é preciso dizer de novo. [André Gide]

 

Tela: JB Lazzarini

                                                                                                                                        

JANEIRO || FEVEREIRO: “Começou o ano martelando água em Inhotim. Salvou a paisagem tropical da morte, e renasceu contemporâneo. Num dado momento, a andorinha pinta o céu de vento. Passa o gato movido a álcool, e outra nuvem anuncia a substância do verbo. Tirou as roupas das expressões e assoviou bem-te-vi.”

MARÇO || ABRIL: “O bem-te-vi quer ter filhos. Ampliou a solidão com lápis cinza na máscara de Carnaval. Sua mãe diz que não é coqueluche. Vacinou contra catapora. Mesmo assim, rastejou entre moscas, segurando os ovos entre palhas escuras.”

MAIO || JUNHO: “Os ovos chocaram verdes com tons amarelados. Duras penas aguentam a picada da cobra coral, que engole o perfume da trepadeira. Vermelho com amarelo perto, fique esperto; vermelho com preto ligado, pode ficar sossegado. Não é uma jararaca. Sobrou só um bem-te-vi abstrato-geométrico no silêncio que estica a noite.”

JULHO || AGOSTO: “Tentou criar o bem-te-vi na gaiola com pedaços de palavras açucaradas. Veio o gato entortar a gaiola. Comprou pastilhas Valda. E tomou remédio alopático para começar o mês, numa escrita automática, contando os riscos de dar nomes existenciais às flores.”

SETEMBRO || OUTUBRO: “Desmanchou o quintal, fez florir três jardins, e soltou o bem-te-vi. Perdeu aquilo que encontrou, quando o gato retornou. Os ratos detestaram a ideia. Almoçou frango xadrez, sentindo gosto de liberdade, inventando nova gaiola.”

NOVEMBRO || DEZEMBRO: “Queria ser lido nos bicos dos passarinhos. Contrariado, armou a arapuca. Foi repetir o canto do bem-te-vi, a história. Criou a ilusão de que a metamorfose poderia ser contrariada. Tempo passado, abusando gerúndio: o cisco incomoda muito o olho esquerdo, pois a liberdade sempre machuca num abandono sem fim.”

A HISTÓRIA SE REPETE || O BEM-TE-VI ABSTRATO-GEOMÉTRICO || CONTRATEMPOS LIBERDADE

 

Tudo já foi dito uma vez, mas como ninguém escuta é preciso dizer de novo. [André Gide]

 

NOVEMBRO || DEZEMBRO: “Queria ser lido nos bicos dos passarinhos. Contrariado, armou a arapuca. Foi repetir o canto do bem-te-vi, a história. Criou a ilusão de que a metamorfose poderia ser contrariada. Tempo passado, abusando gerúndio: o cisco incomoda muito o olho esquerdo, pois a liberdade sempre machuca num abandono sem fim.”

JANEIRO || FEVEREIRO: “Começou o ano martelando água em Inhotim. Salvou a paisagem tropical da morte, e renasceu contemporâneo. Num dado momento, a andorinha pinta o céu de vento. Passa o gato movido a álcool, e outra nuvem anuncia a substância do verbo. Tirou as roupas das expressões e assoviou bem-te-vi.”

MARÇO || ABRIL: “O bem-te-vi quer ter filhos. Ampliou a solidão com lápis cinza na máscara de Carnaval. Sua mãe diz que não é coqueluche. Vacinou contra catapora. Mesmo assim, rastejou entre moscas, segurando os ovos entre palhas escuras.”

MAIO || JUNHO: “Os ovos chocaram verdes com tons amarelados. Duras penas aguentam a picada da cobra coral, que engole o perfume da trepadeira. Vermelho com amarelo perto, fique esperto; vermelho com preto ligado, pode ficar sossegado. Não é uma jararaca. Sobrou só um bem-te-vi abstrato-geométrico no silêncio que estica a noite.”

JULHO || AGOSTO: “Tentou criar o bem-te-vi na gaiola com pedaços de palavras açucaradas. Veio o gato entortar a gaiola. Comprou pastilhas Valda. E tomou remédio alopático para começar o mês, numa escrita automática, contando os riscos de dar nomes existenciais às flores.”

SETEMBRO || OUTUBRO: “Desmanchou o quintal, fez florir três jardins, e soltou o bem-te-vi. Perdeu aquilo que encontrou, quando o gato retornou. Os ratos detestaram a ideia. Almoçou frango xadrez, sentindo gosto de liberdade, inventando nova gaiola.”

(José Aloise Bahia é jornalista, escritor, pesquisador, ensaísta, colecionador e crítico de artes plásticas e literatura. Graduado em Comunicação Social e pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo (UNI-BH). Autor de Pavios curtos (Belo Horizonte: Anomelivros, 2004). Participa, dentre outras, das antologias O achamento de Portugal (Lisboa: Fundação Camões/Belo Horizonte: Anomelivros, 2005) e H2HORAS (São Paulo: Cronópios/Dulcinéia Catadora, 2010). E-mail: josealoise@gmail.com )

 

 

 

 

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7 Comentários

  1. Os pássaros sempre conhecem o caminho da liberdade. Parabéns ao autor Jose Aloise Bahia e à Diversos Afins pelas publicações.

  2. Parabéns Zé! E mais do que merecido. Acompanhei um a um e aplaudi pra valer.
    um beijo da amiga e fã
    Rosa
    ps: estendo o parabéns para a equipe.

  3. Oi Tere Tavares, oi Rosa Pena: obrigado pelas presenças e comentários… Atenção editores Diversos Afins: eis duas escritoras que também merecem estar aqui (não sei se elas já foram publicadas pelo site)… Tere e Rosa: qualquer semelhança e reflexão com o Brasil na atualidade, não é mera coincidência… Novamente, a questão da liberdade está de volta ao Brasil: as manifestações são fundamentais para dar legitimidade à democracia… Não foi uma mera coincidência a questão do BEM-TE-VI ABSTRATO-GEOMÉTRICO, pois recebi e-mails apontando ali os cidadãos, os políticos, etc… É aquela velha questão: se temos liberdade, o importante é saber usá-la, como faz agora o povo brasileiro nas ruas… Abraços para as duas + os editores, com admiração, do Josealoisebahiabhzmg: Jun2013…

  4. Acompanha há tempos, em vários sites e jornais, a carreira do ensaísta, crítico de literatura e artes, pesquisador e escritor José Aloise Bahia e vejo a pluralidade criativa do mineiro de Belo Horizonte. Nas micronarrativas acima, ele fala da liberdade num grau literário poeticamente esclarecido. O bem-te-vi é uma grande metáfora artística de um povo, o povo brasileiro, que foi para as ruas manifestar a sua liberdades com exigências fundamentais. Parabéns ao escritor e os editores pelas publicações.

  5. Oi Carlos Alberto, meu ex-vizinho: obrigado pela presença e comentário… Sim, o BEM-TE-VI ABSTRATO-GEOMÉTRICO não deixa de ser uma grande metáfora de algo que estamos sempre procurando: uma delas é a liberdade, com certeza… Uma bela semana pvc e familiares… Abraços, com admiração, do José Aloise Bahia, Belo Horizonte, MG, Jul2013…

  6. Ótimos tudo, como sempre. Originalidade é mesmo coisa rara, quando tudo já foi dito. Mas você, chaga lá. Parabéns
    Maria lindgren

  7. Oi Maria Lindgren: obrigado pela presença e comentário pra lá de bacana… Questão da originalidade (que bom que vc fez uma leitura diferente!) nos dias atuais (por assim dizer: dias de Ctrl-c e Ctrl-v) é muito difícil/complicado… Vivemos experimentações e desafios: nisso entra na literatura, por exemplo, os novos conceitos da liberdade (é claro que as micronarrativas poéticas do Bem-Te-Vi Abstrato-Geométrico dialoga com Kafka, como observou um leitor por e-mail!)… Outro leitor perguntou se pode ter desdobramentos, pois o conceito do Bem-te-Vi Abstrato-Geométrico é bem elástico: claro que pode ter… É aquele negócio: temos que tentar/reinventar novas formas de narrativas… Nisso, concordo com Vilém Flusser, pois vivemos uma pós-história (primada pela elasticidade da informação) sem igual… Uma bela semana pvc e familiares… Abraços, com admiração, do Josealoisebahiabhzmg: Jul2013… PS – Outra boa escritora que merece um espaço aqui no Diversos Afins é a Maria Lindgren (não sei se ela já publicou algo por aqui!). Fica aí a dica para os editores…

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