Dedos de Prosa III

Paulo Bono

 

Arte: Marcantonio

 

Jaca, os peitinhos e a galinha

 

Noite fria. Eu esperava na padaria da esquina. Olhei as horas. Precisava de um cigarro. Se pelo menos eu fumasse. Passavam das dez quando Jaca apareceu. Entrei no carro.

– E a cachaça? – Jaca disse.
– Tá aqui – eu disse.
– Tranquilo, então. Eu trouxe a galinha.
– Que galinha?
– Roque da Lua foi claro. Uma garrafa de cachaça e uma galinha.
– Porra, acho melhor deixar a galinha de fora.
– E o bode?
– Que bode, caralho?
– O bode que enterram em seu quintal?
– Ok. Cadê a galinha?
– Na mala.
– Na mala?
– Lavei o carro hoje.
– A porra vai morrer sufocada.
– Fique tranquilo. A galinha tá na dela.

Jaca era um amigo dos tempos de escola. Daqueles meninões idiotas que levavam a culpa de tudo. Seu apelido naquele tempo era peitchola, por causa dos seus peitos grandes e pontudos. Ficava puto. Hoje trabalha como segurança de loja. Acontece que eu andava numa fase daquelas. Havia deixado a velha agência, e Regina era coisa do passado. Para os diretores de criação, eu não tinha o menor talento. As mulheres pensavam a mesma coisa. Nada dava certo. Sem dinheiro, sem trabalho, só na punheta. Então eu estava por aí, na merda, quando encontrei Jaca. Contei minha situação. Jaca teimou que aquilo devia ser praga de Regina. Macumba, essas coisas. E disse que esse tal Roque da Lua podia me ajudar.

Quando chegamos, convenci Jaca a pegar leve com a galinha. Primeiro, daríamos uma conferida no terreno. E se fosse necessário, pegaríamos o animal. Parecia um lugar agradável. Só aquele som de tambores que arrepiava os cabelos mais crespos do meu ovo. Havia essa figura no portão de entrada. Negro, alto, jovem. Não sei o que esperava da vida, mas segurava uma vela com as duas mãos.

– Boa noite – disse Jaca – o Roque da Lua está?

O garoto não respondeu. Só olhava para frente. Reto. Ele e a porra da sua vela. Parecia um rapaz determinado. Pelo menos a não dar as boas vindas a Jaca.

– Boa noite, amigo – Jaca insistiu – Eu marquei com Roque da Lua.

Nenhuma resposta. Somente o som dos malditos tambores.

– Esse merda não vai falar nada – eu disse.
– Será que é doente?
– Quero que ele se foda.
– Ô maluco! Tá me ouvindo? EU QUERIA FALAR COM ROQUE DA LUA!
– Vamos sair daqui, caralho!
– Tô quase metendo a porra nesse moleque.
– Cuidado, esses caras manjam de capoeira.

Então surge do nada esse baixinho todo de branco segurando a porra de um cacho de bananas. Pelo jeito que rebolava, eu não tinha mesmo certeza por onde ele ia ingerir aquelas bananas.

– Jaquinha! – disse o mestre das bananas – chegou bem na hora.
– Seu Roque – disse Jaca – o garoto aqui não queria colaborar.
– Ah, esse é Tico-Tico. Tico-Tico tá de castigo. Pra aprender a se comportar.
– Esse é Paulo – disse Jaca – o amigo que lhe falei.
– Ah, o que tá desempregado e não consegue trepar.
– É, tô no cu da cobra – eu disse.
– Vem, vamos entrar, vamos entrar. Tico-Tico, você se comporte.
– Aguente firme, Tico-Tico – eu disse.

Lá dentro, havia esse pátio de terra. Cercado de uma varanda com portas e de algumas árvores. Havia também essa roda de gente. Vestidos de branco. Aquela batucada. “Cadê Roque da Lua?” – Jaca perguntou. O danadinho das bananas desapareceu do nada. Então ficamos por ali como dois imbecis. Volta e meia alguém pulava no meio da roda e arriscava alguns passinhos. Até que veio essa morena. Começou a sambar. Nova, pele escura e os dentes mais brancos da noite. Seu corpo? Bem, digamos que eu saberia o que fazer com seu corpinho num quarto escuro. A moleca dançava. Girava. Levantava a saia, ia até o chão, revelava as pernas e, por milésimos de segundo, sua calcinha. Não é por nada não, mas eu já estava de pau duro.

– Será que ela toca berimbau? – perguntei a Jaca.
– Ham?
– Tá sentindo o quê, porra?
– Calor da porra!

Então aumentaram a batucada e a morena enlouqueceu. Começou a revirar os olhos e a retorcer o corpo. Em um desses solavancos, seus peitinhos saltaram da blusa. Como se gritassem por liberdade e quisessem participar da festa. Eram peitinhos firmes, santos e loucos. Eu pensava, por que essas porras parecem mais gostosas quando estão dando santo? Aliás, o santo devia saber que havia um gordo por perto que estava doido pra cair de boca naqueles peitinhos. Eu estava em pânico. Tentava não pensar em sacanagem. Mas só conseguia pensar naquela xoxota em chamas. Nessa hora, algum escroto que gosta de ver o circo pegar fogo soltou uma galinha no meio da roda. Vou dizer uma coisa. Nunca havia visto nada mais inocente do que aquela galinha. Querendo aparecer. Caminhando para o meio da putaria. Balançando a cabeça. No ritmo dos tambores. Pelos olhinhos, estava drogada. Parecia sorrir. Quando a morena a pegou pelo pescoço e ZAP! Passou a faca no animal.

– Puta que pariu – eu disse a Jaca – esquece a galinha.
– O quê?
– Porra, você tá suando pra caralho.
– É o calor, porra.

Adivinhe quem apareceu do nada. Sim, ele mesmo. Roque da Lua. Dessa vez, sem as bananas. Mas com um charuto que não tinha mais tamanho. Dançando, se remexendo e dizendo coisas que eu não conseguia entender.

– O que é que esse porra tá falando? – perguntei a Jaca.
– Não sei. Entendi, não sei o quê Paca Capim, Paca Capim, Paca Capim…
– Jaca, você tá branco.
– Dor de cabeça…
– Porra, será que você tá dando santo?
– Eu tô tranquilo…

Enquanto isso a roda pegava fogo. A morena, os peitinhos e Roque da Lua. A galinha perdeu o melhor da festa, fazer o quê? E do nada, Roque da Lua largou o charuto e começou a dar saltos. Grandes saltos. Saltava e girava rapidamente para todos os lados, fazendo o Mestre Yoda em ação parecer uma velha tartaruga manca. Roque da Lua pulava sobre as pessoas na roda, dizendo coisas e dando gargalhadas. De repente, esse merda veio em minha direção, com os olhos ardentes. Pensei, fudeu. Só deu tempo de pensar isso mesmo, porque logo depois Roque da Lua me empurrou para o lado, apertou os peitos de Jaca e berrou com uma voz fininha “PEITCHOLA! PEITCHOLA! PEITCHOLA!”. Jaca tentou se defender empurrando Roque da Lua, que saltou para trás, dando um desses golpes de capoeira e raspando o pé no queixo do meu amigo.

Três minutos depois, Roque da Lua seguia seu show, enquanto Jaca e eu nos despedíamos de Tico-Tico e entrávamos no carro.

– FOI VOCÊ QUE DISSE! – Jaca berrava
– Vai tomar no cu, Jaca!
– FOI VOCÊ QUE DISSE!
– Como é que eu ia dizer alguma coisa? Eu nem conhecia aquele viado. Você que me trouxe aqui, porra!
– E como é que ele sabia desse negócio de peitchola?
– Sei lá, esses caras sabem tudo da nossa vida.
– Ele me pegou desprevenido.
– Mas você viu aqueles peitinhos?
– Jesus é mais forte!

Bem, o que resta contar é que passei um bom tempo ainda sem trabalho e sem mulher. Que Jaca segue sua vida como Segurança. E que a galinha na mala do carro sobreviveu.

Paulo Bono é baiano e nasceu na Lapinha, tradicional bairro do centro antigo de Salvador. Formou-se em relações públicas, é pós-graduado como roteirista, trabalha como redator publicitário e escreveu o blog de contos e crônicas Espalitando Dente durante 6 anos. Em 2013, lançou o livro de contos Espalitando (Editora Cousa). 

 

 

 

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1 comentário

  1. Outro dia li “ri a bandeiras despregadas”. Assim ri ao ler o conto. Gostei. Parabéns!

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