Dedos de Prosa III

Isabela Rodrigues

 

Patrick Arley

Foto: Patrick Arley

 

O pedido

Adoro quando ela chega assim de manhã.

Uma morenice lavada de cara e de corpo. Um cheiro de banho, os cabelos molhados de uma água fria.

Adoro quando ela chega assim, com roupa de casa, ainda de chinelas. O cabelo meio sem jeito, a cara meio de sono.

 Chega, aperta os olhos, às vezes torce a boca como que fazendo movimentos pra lembrar o pedido que me faz todos os dias, igual:

– três pães, por favor.

***

 

 

A maquiadora

A maquiadora, enquanto eu piscava muito no momento em que ela tentava pintar meus olhos:

– se você sentir vontade de chorar…

– o tempo todo, amiga.

Nos abraçamos e choramos.

 

***

 

 

Se nasce só e se morre só

A saída do útero é completamente solitária, embora, por vezes, haja o amor.

A vida segue de forma a te fazer esquecer que, na verdade, é só você.

Estamos todos sozinhos nessa massa que se ajeita no vagão do metrô, nos bares em noite quente, no supermercado Mundial às 18h, nos elevadores ou nos velórios.

A verdade é que a solidão é a sombra contínua que nos segue por toda a vida.

Primeiro, há o cerco da família, e depois é preciso uma porção de amigos, e depois menos amigos, mas bons, e depois vêm os filhos os netos os bisnetos.

Mas é nesse meio de tempo, na gritaria de quem compra ouro na Siqueira Campos, no esbarrar de quem atravessa a Presidente Vargas quando o sinal fecha, ou no Carnaval em Salvador, cedo ou tarde, que chega o momento em que nos damos conta do inevitável: estamos todos sozinhos. Somos um e único a saber das próprias e verdadeiras dores, que vai sentir sozinho que no mundo é só você contra você mesmo.

Há quem tenha, nessas horas, suas pequenas epifanias. Há quem entre em desespero, há quem se mate, há quem se deprima, há quem se sinta verdadeiramente liberto.

O fato é que o ser humano nasceu de viver junto, de se aglomerar nos grandes centros, de querer morar um em cima do outro, de ter carro pra mais de um, de fazer filho, de ter gente. Por isso é que essa descoberta assim, tão de repente, pode acabar com um coração.

***

 

 

Tempo de Alice

Alice aos três já mostra espírito aventureiro quando
solta da minha mão para descer as escadas
sozinha.
Alice tem o cabelo amarelo e os olhos pretos de cílios
gigantes parecendo um bicho,
mas em Alice fica lindo.
Alice fala paia, porque não fala r ainda,
mas fala em alemão quando nervosa.
Ela tem um peixe laranja e escolheu dar de presente ao padrinho
um carro ou um interruptor.
Quando apertada, faz xixi de cadeirinha no meio da rua
e depois me pergunta por que é que o menino que dorme na rua está sem chinelos.
Eu e Alice sentadas tomamos picolé no sol.
Alice disse:
– É tão bom que até dá vontade de sorrir, né, tia Isabela?

Isabela Rodrigues é natural de Barra Mansa, interior do Rio, e reside atualmente na capital do estado, onde se formou como advogada pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Seus textos também podem ser encontrados no blog “Com licença, poética!”

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