Drops da Sétima Arte

Por Larissa Mendes

 

Antes da Meia-Noite (Before Midnigth). EUA. 2013.

 

“Ninguém é nada mais que si mesmo”.

 

Um sábio amigo costuma dizer que o amor deveria vir com prazo de validade. É como se algumas relações estivessem fadadas a existir por apenas uma noite ou determinado período de tempo e qualquer tentativa de prolongá-las só trouxesse estragos e dor. Até porque – como é pontuado em determinado momento de Antes da Meia-Noite – estamos todos de passagem e talvez seja pretensioso almejar um amor eterno. Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) são uma espécie de Romeu e Julieta (de carne e osso) de nossa geração. Conheceram-se em um trem, em Viena, em Antes do Amanhecer (1995), reencontraram-se quase uma década depois, em Paris, em Antes do Pôr-do-Sol (2004) e desde então estamos na expectativa em saber se Jesse perdeu ou não seu avião.

A tomada inicial – que funciona como uma espécie de elo com o filme anterior – traz Jesse no aeroporto despedindo-se do filho Hank (Seamus Davey-Fitzpatrick), fruto de seu primeiro casamento, depois de passar o “melhor verão de sua vida” com o pai, a madrasta Celine e as irmãs gêmeas, no Peloponeso. Não por acaso, a locação europeia da vez sugere a ambiguidade das ensolaradas ruínas gregas; e o título do filme, o lado sombrio que está por se anunciar. O americano e a francesa estão na casa dos 40 anos e vivem em Paris com as filhas Ella e Nina (Jennifer e Charlotte Prior). Por conta da distância de Hank e do mau relacionamento com a ex-mulher, que moram em Chicago, Jesse sente-se um pai ausente. Celine assume o papel triplo de toda mulher moderna (e como tal, ressente-se por isso). Está travado o embate de mais um casal que precisa lidar com o amor, o cotidiano e o fatídico passar dos anos. Um amor que resistiu à ausência durante tanto tempo pode sobreviver à convivência e burlar qualquer prazo expirado?

 

 

Jesse e Celine em cena de Antes da Meia-Noite / Foto: Divulgação

Antes da Meia-Noite mantém o formato clássico, com diálogos longos e inteligentes e planos-sequência, marca registrada da série. Porém, inova (e acerta) ao introduzir outros personagens que se relacionam com os protagonistas, representados pelos casais de amigos do anfitrião – o renomado escritor Patrick (Walter Lassally), onde discutem o amor e todas suas vertentes, incluindo o afeto em tempos de Skype e Facebook, tecnologia ignorada (e inexistente) pelo par em seu primeiro encontro. Justamente pela maturidade de agora, o longa dispensa a pureza dos filmes anteriores. É nítido que há amor, cumplicidade e química entre o casal, mas algo se modificou. Jesse continua o mesmo escritor romântico que transformou sua noite de amor em livro e o fez reencontrar sua amada no segundo filme (reencontro que também virou literatura). Celine, porém, perdeu seu idealismo juvenil e é a primeira a perceber que eles não apontam mais para a mesma direção. Tal condição faz de Antes da Meia-Noite um filme pós-conto de fadas, franco e um tanto quanto amargo: algo próximo de um casamento de verdade. A sequência no quarto de hotel, onde Jesse e Celine travam uma honesta DR é de fazer inveja ao casal formado por Michelle Williams e Ryan Gosling, em Blue Valentine (2010).

Ainda que encarada como uma trilogia, e com mais um final em suspenso, a ideia inicial do diretor Richard Linklater e de seus co-roteiristas Ethan Hawke e Julie Delpy, é acompanhar a dupla até a velhice, com um reencontro há cada 9 anos. Antes da Meia-Noite até funciona de forma independente, porém não há sentido assisti-lo de forma isolada. Os dois filmes anteriores aumentam gradativamente nossa intimidade com os protagonistas e sutis detalhes podem se perder, como o tal avermelhado que Celine dizia observar na barba de Jesse sob o sol, o mesmo tom que vê no cabelo das gêmeas. Será que 2022 nos reserva mais algum momento do dia?

 

 

 

 

(Larissa Mendes ainda é uma coadjuvante à procura de seu “antes”)

 

 

 

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