Drops da Sétima Arte

 

Por Larissa Mendes

 

Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto (Querida, Voy a Comprar Cigarrillos y Vuelvo). Argentina. 2011.

 

“A vida é um bolo de merda e cada dia há que se comer um pedaço”.
(Alberto Laiseca)

 

Quem jamais proferiu a melancólica frase “ah, se eu tivesse 20 anos com a cabeça que tenho hoje…” (salvo os que mal saíram de tal faixa etária), que atire a primeira pílula da juventude. A oportunidade de voltar ao passado para reparar um erro ou meramente para se dar bem paira no subconsciente do homem desde que este usa a desculpa de comprar cigarros. Com enredo inspirado no diabólico poema Fausto, de Goethe, e baseado em um conto inédito do escritor Alberto Laiseca, que faz as honras de narrador da película, Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto traça um retrato amargo, porém franco, das frustrações, da mediocridade e da insignificância do ser humano.

Ernesto Zambrana (Emilio Disi) é um corretor de imóveis de 63 anos, que leva uma vidinha pacata em Olavarría, província de Buenos Aires. Com a nítida impressão de que é um fracassado e nunca teve boas oportunidades na vida, um dia, enquanto almoça com a mulher Rosa (Emma Rivera) em um restaurante simplório, é abordado por um homem misterioso e sem nome (interpretado por Eusebio Poncela), que lhe propõe o seguinte acordo: Ernesto pode voltar no tempo e passar 10 anos em qualquer época de sua vida e, quando retornar a 2011, receberá uma recompensa de 1 milhão de dólares.  Para sua mulher, entretanto, não se passarão mais que 5 minutos, tempo que justifica a frase-título do filme. O que se vê a partir daí é uma realidade paralela, com um Ernestito desculpando-se com a mãe enferma, implantando o (até então inédito) formato reality show no Canal 3, em Olavarría, tentando impedir o atentado às Torres Gêmeas, plagiando antecipadamente Imagine, de John Lennon, entre tantas outras passagens jocosas e mal-sucedidas.

Se a temática ‘viagem no tempo’ já foi explorada com exaustão pelo cinema e o próprio título possa parecer repetitivo, o filme ganha em seu argumento e estrutura, a começar pelos poderes conferidos ao anônimo imortal (ou seria ele o demônio?): contrariando o matemático Gauss, ele foi atingido duas vezes por um raio, que o fez morrer e reviver, no Marrocos lugar onde, segundo o narrador, qualquer coisa impossível pode acontecer.  Outro diferencial é a narrativa fragmentada, com inserções do próprio Laiseca justificando algumas passagens do conto/filme. A propósito, o carismático escritor é uma enciclopédia de frases de efeito[-riso]. É interessante observar também que uma tartaruga – animal de estimação de Ernesto – pontua a passagem dos anos, como que advertindo que o tempo tem um caráter de efemeridade relativa.

Com roteiro e direção de Mariano Cohn e Gastón Duprat, os mesmos cineastas de O Homem Ao Lado (2009), Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto é uma comédia non-sense da qual os hermanos parecem ter se tornado especialistas. Abordando a trinca tempo-vida-morte de forma crua e com certo humor negro, é um filme leve e divertido, porém altamente reflexivo, principalmente porque subverte o tom existencial pela pura fatalidade. Queridos, vou comprar pipoca e já volto.

(Larissa Mendes é catarina de berço, turismóloga por opção e cinéfila convicta)

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