Drops da Sétima Arte

Por Larissa Mendes

Elefante Branco (Elefante Blanco). Argentina. 2012.

 

 

 

‘Sonho em morrer por eles. Ajuda-me a viver para eles’.
(Pe. Carlos Mugica)

Como bradaram os Titãs, no final da década de 80, em uma de suas músicas mais emblemáticas do álbum Õ Blésq Blom: ‘miséria é miséria em qualquer canto’. Ainda que tal problema atinja dimensões universais, o cinema lírico-realista do portenho Pablo Trapero – um dos diretores sul-americanos mais renomados no exterior – explora o tema de um modo peculiar. Em Elefante Branco, seu sétimo longa-metragem, ele desconstrói o que poderia se tornar mais um abrasileirado favela-movie para questionar o papel do estado, das milícias e principalmente da igreja no conturbado ambiente das periferias. Há uma humanização simbólica por parte dos sacerdotes: eles vestem jeans, falam palavrão, bebem e fumam. E isso não só os aproxima dos habitantes da favela onde pregam como conquista a simpatia dos espectadores. A película dialoga com a floresta e o subúrbio, a brutalidade e o altruísmo, a caridade e a (in)justiça. Sim, riquezas são diferenças.

Sobrevivente de um massacre, enquanto estava em missão na selva amazônica, o padre belga Nicolás (Jeremie Renier) foi resgatado por Julián (Ricardo Darín) para ser seu sucessor no trabalho religioso-social da Villa 31, uma das maiores favelas dos arredores de Buenos Aires, onde vivem mais de 30 mil pessoas. Ali, Julián comanda uma paróquia e, com o apoio da assistente social Luciana (Martina Gusman, esposa do cineasta e atriz de quase todos seus filmes), supervisiona a construção de casas populares no terreno onde seria instalado o maior hospital da América Latina – projeto idealizado pelo socialista Alfredo Palacios, em 1937, e inacabado durante diversos governos – ou seja, o elefante branco que dá título ao filme. Mediadores entre traficantes, moradores e policiais, os três voluntários dividem o hospital abandonado com cerca de 300 famílias e o utilizam como QG para administrar seus projetos sociais, conflitos internos e dramas pessoais, sobretudo quanto à contribuição real de seus esforços e à vocação celibatária.

O sucessor de Carancho (2010) – denúncia sobre a máfia dos seguros de automóveis na Argentina, também protagonizado por Martina Gusman e pelo sempre intenso Darín, que empresta mais uma vez todo seu talento e carisma ao roteiro de Trapero (novamente em parceria com Alejandro Fadel, Martín Mauregui e Santiago Mitre) – tece, simultaneamente, uma crítica social, política e religiosa acerca do processo de favelização e da violência gerada pelo narcotráfico. Se no filme anterior os personagens eram parasitas uns dos outros com o intuito de enriquecer, aqui eles doam seu tempo e sua própria vida unicamente na tentativa de salvar o próximo. Mesmo que a situação seja dura, fica subtendida a mensagem esperançosa de fé, seja de forma prática ou espiritual.

Com uma temática visceral, porém de muito apuro estético, o filme abusa dos planos-sequência desde cenas prosaicas até as mais violentas, conferindo um caráter coadjuvante e quase documental à trama. Exibido no Brasil de forma inédita durante o Festival do Rio 2012 (27 de setembro a 11 de outubro), Elefante Branco é inspirado e dedicado ao Padre Carlos Mugica, mártir ligado ao Movimento de Sacerdotes para o Terceiro Mundo (MSTMU) – espécie de ‘socialismo religioso’ originário na Argentina nos anos 60 – assassinado em 11 de maio de 1974. Em escala local e contemporânea, estendamos a homenagem a todas as vítimas do massacre do Pinheirinho e aos desabrigados das comunidades de São Paulo, atingidos por mais de 30 misteriosos incêndios. É, a morte não causa mais espanto.

 

 

 

(Larissa Mendes é catarina de berço, turismóloga por opção e cinéfila convicta)

 

 

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