Drops da Sétima Arte

Por Larissa Mendes

 

Medianeras (Medianeras – Buenos Aires en la era del Amor Virtual). Argentina/Espanha/Alemanha. 2011.

 

“A Internet me aproximou do mundo, mas me distanciou da vida”.

Como não soar clichê num drama romântico em tempos de arrobas? Pergunte a Gustavo Taretto. Escrita e dirigida por este argentino estreante em longas-metragens, Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual, é o desdobramento de um curta idealizado pelo cineasta em 2005. Apesar do subtítulo provinciano e desnecessário, o filme é de uma universalidade singular. A temática não é o sentido do amor em si e tampouco o revés tecnológico, mas a solidão paralisante de jovens adultos que julgam já ter provado sua cota de desencontros e de ‘para sempre’ via chat ou sms. A mesma geração de amores delivery, velozes e ambulantes, que discam M para matar a fome de amar, vegetam aqui no jejum da sozinhez.

Martin (Javier Drolas) é um metódico e recluso web-designer, aficionado por games e compras virtuais. Sua verdadeira ligação com a vida real é Susú, cachorrinha herdada do relacionamento com a ex-namorada americana que voltou para sua pátria mãe. Mariana (Pilar López de Ayala) é uma arquiteta com fobia de elevadores. Ganha a vida como vitrinista, talvez por identificar-se com o silêncio e inércia dos manequins que produz, sobretudo desde que rompeu uma relação de quatro anos. Martin e Mariana moram na mesma rua, mas sequer se conhecem. Estão separados por suas respectivas medianeras, aquela parede lateral cega do edifício, inútil, destinada à publicidade ou que fica simplesmente esquecida, ‘como a sujeira que escondemos embaixo do tapete’.

O roteiro é altamente sagaz, humano e divertido e atinge seu ápice nas reflexões dos protagonistas sobre os relacionamentos e a vida. Momentos como quando Martin culpa a arquitetura por todos os seus infortúnios, compara um encontro a um lanche do Mc Donald’s ou faz uma análise nerd da atualidade (há algo mais desolador no século XXI que não ter nenhum e-mail na caixa de entrada?); e quando Mariana afirma que a busca de um amor é mais complexa que encontrar Wally, o enigmático personagem de camiseta listrada do ilustrador Martin Handford (‘se, mesmo sabendo quem eu procuro, não consigo achar, como vou achar quem eu procuro se nem sei como é?’).

Tal qual seu hermano O Homem ao Lado (2009), a arquitetura aparece como um terceiro protagonista e elemento fundamental para a trama. Ambos os filmes exploram a diversidade arquitetônica de Buenos Aires para justificar todos nossos males, sejam eles sociais ou pessoais, as irregularidades estéticas e éticas da cidade e do ser humano. E estas pequenas aberturas feitas nas medianeras em busca de “un poquito del sol”, mais que fendas solares ou frestas de ventilação, servem como consolo – ainda que provisório – a nossa própria falta de planejamento emocional. E na prática portenha, em casos mais graves, motivo de disputas judiciais. Afinal, ‘o que se pode esperar de uma cidade que dá as costas para o seu rio?’, critica Martin em determinado ponto.

Reais ou virtuais, o fato é que as ventanas sempre serviram para nos aproximar de algo, seja dos boatos cotidianos do quarteirão, do universo paralelo de Bill Gates ou do chat mais próximo. E cá da janela, eu me pergunto: onde está mesmo Wally?

 

(Larissa Mendes é catarina de berço, turismóloga por opção e cinéfila convicta)

 

 

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1 comentário

  1. Pela crítica, o filme promete. O curioso é que há entre Medianeras e O Som ao Redor – também primeiro longa de Kleber Meodnça Filho, e que teve estreia no festival de Roterdã no começo de fevereiro, ob tendo o prêmio de melhor filme da Federação Internacional de Críticos Cinematográficos – a coincidência desse sufocamento dos edifícios nas grandes cidades. Sei disso porque trabalhei no filme como ator, justamente no papel de um milionário dono de quase a metade do bairro do Setúbal, no Recife, e que repudia o que fez.
    O cinema argentino ratifica, segundo o comentário de Larissa Mendes, o grau de excelência de que sou aficionado há anos.

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