Drops da Sétima Arte

Por Larissa Mendes

 

Frances Ha (Frances Ha). EUA. 2012.

 

 

‘Gosto de coisas que se parecem com erros’.
(Frances Ha)

“Ninguém passa incólume aos 27”. Seja você um astro do rock ou um reles anônimo, colecione sucessos ou fracassos, a verdade é que tal combinação numérica parece desencadear uma crise existencial em qualquer jovem-adulto. Com a cativante e atrapalhada Frances (Greta Gerwig) não seria diferente. Assistente de uma companhia de dança de Nova York, seu sonho é integrar a trupe no cargo de bailarina e atuar no aguardado espetáculo de Natal. Inocente, sonhadora e quase infantil – mesmo próxima a tornar-se uma balzaquiana –, a moça divide um apartamento no Brooklyn com Sophie (Mickey Sumner, filha do cantor Sting), por quem nutre uma amizade incondicional que, em determinado ponto, mostra-se praticamente unilateral, pois a amiga não pensa duas vezes antes de abandoná-la por uma morada em melhor localização. A partir disso, observamos (e nos identificamos) com as agruras da personagem em busca de realização pessoal e profissional. Além, claro, de um novo lar.

Dirigido por Noah Baumbach, que assina também o roteiro em parceria com a própria Greta, e filmado em preto e branco, Frances Ha possui certo ar nostálgico e quase atemporal: presta uma bela homenagem à nouvelle vague (sobretudo na lacônica passagem da protagonista por Paris), remete ao emblemático Manhattan (1979), de Woody Allen (Frances herda o estilo neurótico do nova-iorquino) e possui certa aura loser de O Balconista (1994), outro clássico P&B, de Kevin Smith. Comparado à série Girls (ao menos o ator Adam Drive está presente em ambas as produções), talvez a originalidade desta comédia dramática resida justamente em sua simplicidade e no inquestionável carisma de Frances, uma espécie de Amélie Poulain monocromática.

 

Frances (Greta Gerwig) em performance pelas ruas de NY / Foto: Divulgação

 

Mesmo sem decretar julgamentos, Frances Ha traça um perfil bem-humorado e sincero dos confusos jovens do século XXI, estes adolescentes tardios, equilibristas entre tantos anseios e poucos resultados. Leve, mas nem por isso menos complexo, a narrativa verborrágica jamais chega a soar filosófica ou fatalista: ao contrário, a personagem é só mais um ser “bagunçado” e “inamorável” tentando administrar suas frustrações cotidianas. Impossível não se emocionar, por exemplo, com a descrição de Frances do que seria “a sua pessoa nesta vida”, uma das únicas passagens “românticas” do filme. Outro ponto de destaque é a animada trilha sonora, com David Bowie (ela dança ao som de Modern Love pelas ruas de NY), Paul McCartney e o oportuno hino Every 1’s a Winner, do Hot Chocolate.

O longa (nem tão longo assim, pouco mais de 80 minutos de exibição) retrata as relações e rupturas que se estabelecem na vida dos imaturos kidults. Inspirado na própria experiência de Greta Gerwig e na vida de seus amigos artistas que vivem na Big Apple (a atriz contracena inclusive com sua família real na sequência da cidade natal, Sacramento), Frances Ha (aliás, o significado de Ha é elucidado nos minutos finais) tem a verdade e o improviso que a vida coreografa. Apesar da atmosfera cult, não se trata de um enredo hermético ou experimental: é a história de altos e baixos de qualquer ser humano errante e passional. O erro aqui é perder este pequeno clássico moderno.

 

 

 

 

(Larissa Mendes é uma Frances Ha tupiniquim, sem Sophie e sem o lance da dança)

 

 

 

Clique para imprimir.

1 comentário

  1. Adoraria ver o filme, agora mais ainda depois de seus ótimos comentários. Não pude pegar o filme no Rio porque me operei da coluna e o filme não me esperou.
    Um abração e Feliz Natal Maria lindgren

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *