Por Bolívar Landi
O Quarto de Jack (Room). Canadá/Irlanda.2015.
Algumas obras parecem ganhar vida própria e chegam a superar as intenções do artista, produzindo sentidos nem mesmo imaginados por seus criadores. Geralmente, quando isto ocorre, temos como resultado pequenas obras-primas. “O Quarto de Jack” pode enquadrar-se neste perfil. A situação apresentada pelo filme surge apenas como um pretexto para que se exponha todo um universo de percepções e sentimentos que permeiam o espírito dos homens. Ele assume, assim, uma linguagem metafórica, tornando-se uma peça em aberto cujo sentido não cabe mais nos limites de uma tela ou nas quatro paredes que conferem título à película. Ela alcançará uma linguagem universal que falará de uma forma íntima e evocará questionamentos e respostas particulares em cada espectador.
A produção começa de forma despretensiosa e, em pouco tempo, assume um clima claustrofóbico e sufocante que vai fluindo até que cada peça do quebra-cabeças venha a se encaixar lentamente. Tudo é feito com grande elegância na condução das câmeras e no enquadramento de cada mínimo objeto disposto em cena. Aos poucos, envolvemo-nos em uma intrigante trama até termos a dimensão do horror a que seus personagens estão submetidos. Contar um pouco da história certamente irá comprometer o caráter surpreendente do roteiro e os completamente desavisados irão aproveitar bem mais as nuances que o filme tem a oferecer. Os que já conhecem a sinopse da trama, contudo, podem seguir a leitura deste texto sem maiores problemas.
Brie Larson, vencedora do Oscar de melhor atriz por seu desempenho neste filme, interpreta uma jovem sequestrada aos 17 anos e vive, há sete, confinada em um minúsculo cativeiro que divide com seu filho de 5 anos. O garoto, representado por Jacob Tremblay, traz as mais tocantes cenas do filme. O exíguo quarto é o único mundo que ele conhece e, através do seu olhar, somos convidados a considerar que as limitações do espaço e das circunstâncias não são suficientes para eliminar a magia e beleza de cada coisa. Isto não serve, contudo, de artifício para apresentar uma visão romanceada dos acontecimentos. A realidade é mostrada em toda a sua crueza e complexidade, demonstrando que não há soluções simples para casos assim e marcas profundas estarão sempre expostas na vida dos personagens.
A obra é baseada no romance homônimo, lançado em 2010, pela irlandesa Emma Donoghue, também responsável pela adaptação do roteiro para o cinema e, embora este não seja fundamentado em fatos reais, inspira-se em casos similares amplamente noticiados pela mídia. Lenny Abrahamson, compatriota da escritora, realiza uma direção segura e consegue fazer um filme muito eficiente com um custo relativamente baixo para os padrões atuais da indústria cinematográfica. Tanto a autora quanto a direção receberam a indicação para o Oscar em 2016 e a produção concorreu à categoria principal de melhor filme.
A película traz questões caras ao nosso tempo como o isolamento, a construção de laços afetivos, o sentimento de inadequação, a busca pela essência e, em algum ponto, acabamos por nos identificar com os seus personagens. Enfim, deparamo-nos com sentimentos à flor da pele em uma das obras mais contundentes dos últimos anos.
Bolívar Landi é formado em Comunicação Social e História, permanentemente encantado com a capacidade do cinema de reunir em um só espaço múltiplas linguagens e expor confidencialmente as minúcias da alma humana.
O que dizer após a leitura desse texto? Morrendo de vontade de ver o filme! Obrigado, Bolívar!
Encantado com esse texto primo, ansioso para assistir essa película. Parabéns e tudo de bom.