Gramofone

Por Fabrício Brandão

 

LUIZA BRINA E O LIQUIDIFICADOR – A TOADA VEM É PELO VENTO

 

 

 

A grande metáfora que suscita o valor da impermanência das águas é substancial alimento de muita coisa em matéria de arte. Assim como não é possível banhar-se duas vezes numa mesma porção aquática, muita coisa escapa ao controle dos sentidos num átimo de nossos lampejos pela vida. O que seria de nós se tudo fosse absolutamente fixo em todas as suas formas e proporções? Como curvarmo-nos frente à ciranda viciosa dos determinismos que nos soam muito mais como armadilhas do que qualquer outra coisa?

Desejosa mesmo seria a perenidade de saborearmos o sublime e toda a surpreendente força que brota de sua delicadeza. E quanto a nós, cabe bem entregarmo-nos ao fluxo constante das marés que assinalam o tempo das transformações. Ainda que típicas incertezas se façam companheiras dessa jornada, viver traduz-se por um mergulho atento ao presente.

Tudo principia no mar: eis uma definição especial para o disco de Luiza Brina. Juntamente com a banda O Liquidificador, a artista nos apresenta um álbum repleto de signos os quais evocam as imagens que correm paralelas ao dinamismo das águas. É uma verdadeira viagem pelas dimensões sensíveis tão peculiares aos olhares poéticos sobre a vida. De modo marcantemente autoral, Luiza penetra nas veredas dos dias, visitando os vestígios e povoando de esperanças e serenidade a existência. O resultado aponta para uma reunião de canções que primam pelo lirismo e cujo teor das letras reflete um vigoroso arremate filosófico.

A toada vem é pelo vento é um trabalho feito de arranjos e cuidados melódicos que não passam despercebidos. Há de um tudo no disco, principalmente estilos como o maracatu, salsa e boi, entre outros mais. Sem dúvida alguma, o aporte vocal tanto de Luiza quanto do coro da turma de O Liquidificador tornam as escutas bastante atraentes. A acertada reunião de violoncelo, sopros, percussão e violão constrói um painel que reforça um especial sentido de brasilidade ao disco.

Luiza Brina e O Liquidificador / Foto: Divulgação

Entre as faixas que roubam a cena, está a bela e intensa Catamarã, canção que situa a voz de Luiza numa ambientação precisa e forte. Ali, a letra harmoniza o denso contraste entre mar e sertão, exaltando um equilíbrio possível entre forças que se opõem por natureza. No jogo de palavras, o “tão” do ser explicita as distâncias entre dois mundos supostamente improváveis de conciliação, evocando momentos como na passagem “O meu violão é Dorival / o dele é obrigação”.

Também não há como deixar passar a presença extremamente virtuosa de Back in Bahia, desejoso retorno a uma terra idealizada, e que aqui aparece materializado numa vontade sublime de ouvir o canto de Maria Bethânia.  Diga-se de passagem, o título da música deixa entrever as sensações advindas da homônima composição de Gilberto Gil quando do seu desterro em Londres. No entanto, essa valiosa referência não retira a originalidade da letra escrita pela jovem compositora. Atravessando a canção, eis que um disco de Gil irrompe ao fundo, entrecortado por um liquidificador, retrato de sentimentos misturados, uma alusão a um baú de lembranças, abrigando a procura serena e nostálgica de uma Pasárgada cuja musa é Bethânia. Em meio a isso tudo, a voz de Luiza penetra nos ouvidos como uma espécie de acalanto.

E tudo também se prolonga no mar, esse colossal reservatório de sentimentos, que, aos olhos de muitos, abriga o desejo do infindável. Assim, somos conduzidos pelo balançar de águas. Assim, Luiza Brina e seus companheiros de existência nos relembram os caminhos que vão e vem, exaltando a sede do inominável, esse deus que habita todas as dúvidas.

 

 

 

 

 

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3 Comentários

  1. Obrigada! Linda a voz, a música…

  2. Muito, muito, muito bonito isso.

  3. Excelente proposta, muito legal!Aproveitem a letra poema que fiz abaixo e coloquem o som. Parabéns! Samba de amor sem música do livro Verdes e Perfeitos amores Diana Balis.

    Mexer
    Sacudir
    Rebolar

    Torcer
    Exprimir
    Gingar

    Liquidificar!

    Gritar
    Grunhir
    Gemer

    Tocar
    Atingir
    Bater

    Liquidificar!

    Emitir
    Sussurrar
    Remexer

    Impelir
    Dedilhar
    Tanger

    Liquidificar!

    Pertencer
    Palpitar
    Fugir

    Superar
    Crescer
    Expandir

    Liquidificar!

    Agitar
    Impelir
    Derreter

    Induzir
    Comover
    Ecoar

    Beber
    Tingir
    Aperfeiçoar

    Liquidificar!

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