Gramofone

Por Larissa Mendes

 

BAIA – COM A CERTEZA DE QUEM NÃO SABE NADA

 


À primeira vista, Maurício Simão de Moraes – que atende pela alcunha de Baia – mais parece um híbrido de Raul Seixas com Chico Science. Astrologicamente, arriscaria a classificá-lo como de signo solar baiano, com ascendente em Pernambuco e Lua no Rio de Janeiro, traçando um paralelo entre sua naturalidade, raízes familiares e o local onde sua alma habita. Aos 40 anos, e pelo menos há duas décadas na estrada, o cantor, compositor e instrumentista, lança o sétimo CD de sua carreira – e seu terceiro trabalho solo. O artista estreou na música nos anos 90, já no Rio de Janeiro, à frente da banda Baia e Rockboys, gravando em estúdio Na Fé (1995), Overdose de Lucidez (1998) e Entrada de Emergência (2001).

Depois de um hiato marcado pela morte prematura do guitarrista e amigo Tonho Gebara, Baia aventurou-se em voo solo, o que resultou em Habeas Corpus (2006) e Baia no Circo (2009), alusão ao Circo Voador, lendária casa noturna da Lapa, onde o show também foi registrado em DVD numa celebração aos seus 18 anos de carreira. No final da década, ao lado de Gabriel Moura, Rogê e Luis Carlinhos – todos expoentes do atual cenário musical da Guanabara – fundou o projeto paralelo 4 Cabeça (2009), que resultou na gravação de um álbum homônimo e lhes rendeu, no ano seguinte, o Prêmio de Música Brasileira como Melhor Grupo de MPB.

Baia já bebeu na fonte de Raul e de Bob Dylan, dividiu o palco com Zé Ramalho, promoveu e participou de diversos festivais nacionais e internacionais. Seu carisma e presença de palco aliado à inteligência e irreverência que destila em suas canções garantem ao músico tecer críticas sociais com a mesma “doce doçura” com que fala de amor. Lançado em abril pela gravadora Som Livre (também disponível na loja virtual do iTunes) e intitulado Com A Certeza De Quem Não Sabe Nada, as 11 faixas do álbum revezam-se entre MPB e pop-rock, e têm na construção das letras, ora reflexivas, ora provocadoras, seu maior apelo.


Maurício Baia / Foto: Divulgação

A contagiante Essa Moça abre o disco e narra as estripulias de uma desinibida e libertária donzela. Talvez a mesma da canção Baia e a Doida, do álbum Entrada de Emergência, o último na companhia dos RockBoys. A acústica Desafio e seus contrastes estão presentes na regravação do cantor Edu Krieger, lançada originalmente em 2006. O quase ska Passa e Fica (passou, como tudo passa/e algo em tudo que passa, fica/passou porque tudo passa/porque tudo se pacifica), parceria com o cabeça Gabriel Moura, é um dos pontos altos do álbum, juntamente com a canção que nomeia o trabalho, Com A Certeza de Quem Não Sabe Nada (e esse vazio que nos inspira e apavora/já não judia/distância versus tempo/produto bruto desta história/que se anuncia). Enquanto Pousando (fora muitos desenganos/após todos esses anos/entre o agora e o quando), parceria com outro cabeça, Luis Carlinhos, tem ares intimistas, o pop-rock Solto Pelo Ar (se não parte com vontade/não vai dar nem pra saída/se só vive com saudade/aproveita muito pouco a vida) deixa sua mensagem de positividade.

O Primeiro – provavelmente a letra mais inspirada, também co-autoria de Gabriel Moura, que desta vez assume os backing vocals contempla todo o universo substantivo, ordinal e cardinal (pois tudo pode estar por um segundo/posso te perder para um terceiro/trancar-me aflito no meu quarto/lançar-me ao ar do quinto andar/tudo está no seu sexto sentido/na ultima das sete vidas/entre o oito e o oitenta/noves fora zero). As três canções seguintes, Em Nome da Fome, Os Dias de Hoje e Quando Eu Morrer – as únicas inéditas em seu registro ao vivo no Circo Voador – ganham versões de estúdio e enaltecem, respectivamente, o apetite de viver/amar, a atualidade nostálgica e o sossego da morte. Oração de Regresso, quase um cântico de louvor, finaliza o álbum pedindo a Jesus bênçãos sobre os homens (mostra o teu poder/dá o teu perdão/guia teu rebanho/para a salvação/e acaba com essa eterna luta/pelo vinho e pelo pão) e demonstra que Baia continua sendo um camarada de fé, como sugeria sua versão para Santa Fe, de Dylan, nos primórdios de suas investidas sonoras e ainda hoje um de seus maiores sucessos. Não resta dúvida de que Com A Certeza De Quem Não Sabe Nada é um álbum agradável e consistente, que carrega a brasilidade de um homem maduro com olhos contestadores de menino.

 

 

 

 

 

(Larissa Mendes, compartilha das mesmas [in]certezas de Mauricio Baia e também abriga milhões de eus)

 

 

 

 

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4 Comentários

  1. belo texto! parabéns

  2. excelente texto para um excelente músico!

  3. Baia é simplesmente maravilhoso! O vi a primeira vez no DVD “Baú do Raul” de Raul Seixas, ao qual sou uma fã da vida, e virei fã tbm de Baia. Viajei de Manaus para o Rio de Janeiro para ir no seu show do DVD “Baia no Circo” e foi emocionante assisti-lo. Tanto por suas letras perfeitas, como por sua presença de palco. Fora que fui ao camarim para conhece-lo e ele foi/é gentilíssimo. Amo tudo o q ele faz. Amei o cd novo e estou emocionada ouvindo a delicada e sensível “Oração de Regresso”. Bela crítica a sua. Como Baia e vc, tbm abrigo milhões de eus.

    Bjs, Navrinha!

  4. Très belle présentation de l’homme BAIA et des chansons de son nouvel album!
    Le talent du chanteur n’a pas de frontières…

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