Gramofone

Por Gustavo Rios

 

PASTEL DE MIOLOS – NOVAS IDEIAS VELHOS IDEAIS

 

The Weapons of Mystery

 

Não seria coerente falar em longevidade quando o assunto aqui é simplesmente um CD, ainda mais se tratando de uma banda de punk rock baiana surgida numa década em que, ao menos para mim, frequentador raso e esporádico da cena, parecia perder seus melhores representantes. A palavra longevidade, quando metida no contexto do que me proponho a fazer agora, poderia ser citada quando falamos de Stones – só para ficar no óbvio terrivelmente ululante. Ou seja: ao falar de rock and roll, e vincular tal palavra ou qualquer um de seus sinônimos a esta resenha, corro o risco de converter tudo em exagero e banalidade.

Mas antes de qualquer coisa, é bom deixar claro que é exatamente nisso que pensava toda vez que tentei escrever (e reescrever) esta resenha: longevidade. Ao falar do mais novo lançamento da Pastel De Miolos, Novas Ideias, Velhos Ideais, é impossível não lembrar meu sentimento nas noites em que acompanhei a banda. Era uma sensação nova e incomum, coisa que de quem está acostumado a observar por hábito – situação reforçada pelo fato de que eu era uma espécie de câmera/roteirista de um documentário abortado; ou seja, eu tinha que absorver tudo ao meu redor.

Minha conclusão, talvez equivocada e muito simplória, foi a de que uma banda se faz com uma mistura de elementos que não são pra qualquer um: vocação artística, paixão, vontade de se expressar, amizades duradouras, muito trabalho e talento. Afinal são 19 anos ININTERRUPTOS e envolvidos numa rotina de ensaios, shows e tudo o mais inserido nesse contexto: plateias ruidosas, casas de show quase desconhecidas ou badaladas, bares, festivais independentes, sessões exaustivas de ensaio, tudo isso desembocando numa recente e merecida turnê por países do velho mundo. Tudo o que uma banda necessita para pensar seriamente num legado consistente e verdadeiro. Na tal longevidade. Como algo possível.

Em seu novo CD, mixado no Canadá e produzido por Jera Cravo, encontramos tudo aquilo que faz parte do que podemos chamar “grande disco”. E antes que algum de vocês perceba a existência de exageros de minha parte, aqui vai a defesa: o que a PDM nos apresenta em seu novo trabalho não é simplesmente uma obra impecável, tecnicamente falando (incluindo aí a parte gráfica do artista carioca Flávio Flock, que também já trabalhou para a Pitty, entre outros), cheia de qualidade e de “pegada”; não são simplesmente letras corrosivas com imenso poder de fogo e reflexão; nem a combinação certeira de guitarra, bateria e baixo: Novas Ideias, Velhos Ideais é o resultado de um trabalho que surge numa sequência de outros, feitos ao longo desses anos, que foram sendo aperfeiçoados em sua produção sem nunca dever nada em seus shows.

 

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Pastel de Miolos / Foto: Júnior Américo

 

Novas ideias, velhos ideais, a primeira faixa, dentro de sua simplicidade absurda, já nos mostra aonde a coisa pode chegar: a frase repetida, o peso – realçado pela presença do novo baixista, André, que trouxe à banda uma maior aproximação com outros estilos de rock and roll, um peso e uma coesão maior -, tudo, enfim, conspira pra uma grande festa, “como antigamente”. Em Desobediência Civil, cujo clipe presente na internet vale ser assistido, a gente pode pensar em cada momento de nossas vidas em que desistimos de agir com alguma coragem: poderia ser uma pedra arremessada ou simplesmente se recusar a votar em qualquer canalha cujo discurso hábil nos enche a paciência.

Na próxima, Insegurança Masculina, com a presença ilustre de Vital Cavalcante (da banda Jason), o que vale é bater de frente com os machos que escondem sua fragilidade doentia nas atitudes violentas que por vezes surgem nos noticiários. A Ilha traz em si uma série de questionamentos sobre para onde finalmente iremos algum dia (se é que isso será possível). E na faixa Sem Nome E Sem Razão a bola da vez é a destruição gradativa que presenciamos todos os dias ao nosso redor, em nome de um sonho equivocado de progresso. Vou Tentar, composição de Tony Lopes, cujo som desacelera um pouco para dar maior sonoridade a outra letra simples, o que vale é o olhar certeiro e sensível do compositor. Já em Hardcore a ordem é pogar, sem deixar de atentar para a mensagem evidente – afinal em todas as letras existe algo a ser captado. Porcos, em minha opinião, a melhor do disco, contém tudo que um punk rock deve ter: coragem, metáforas corrosivas, peso, veemência, inquietação e fúria. Logo depois Homem Ao Mar, com seu estilo surf music, também parece servir de base para outra daquelas mensagens nada subliminares que fazem de Alisson um compositor de respeito. Quarteto II é na verdade uma junção bem feliz de textos, dentre eles o do grande poeta Lupeu Lacerda, e em Quando A Vítima Se Transforma Em Algoz e A.E.P, sincera homenagem a uma banda paraibana, o que vale é enlouquecer. E admitir que a essa altura não se pode mais achar o caminho de volta. Homem Sério, que conta com a participação de Frango Kaos (Banda Galinha Preta), serve como uma crítica aos que de alguma forma entregaram completamente os pontos. Essa Porcaria Que Me Faz Feliz encerra o CD, como uma espécie de celebração aos que ainda hoje – apesar dos cabelos grisalhos e das barrigas proeminentes -, estouram os próprios tímpanos com aqueles clássicos sem ligar para o resto.

E aí talvez todo esse papo sobre longevidade finalmente não tenha feito sentido algum, apesar de saber que os anos serão generosos com Alisson, André e Wilson; e que a PDM cumprirá com raro louvor seu papel na cena rocker de qualquer lugar do mundo. Mas, sinceramente, pouco importa. A essa altura dos fatos, depois de ouvir o Novas Ideias, Velhos Ideais uma dezena de vezes, o que vale é celebrar. Com algumas cervejas honestas, ou uma dúzia de granadas nos bolsos.

 

 

 

Gustavo Rios é baiano e escritor.

 

 

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1 comentário

  1. Bela resenha, Gustavo.
    E o disco novo é foda!
    É pra celebrar mesmo.

    Desobediência civil!

    Abç

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