Gramofone

Por Larissa Mendes

 

BEIRUT – NO NO NO

Beirut

Algumas canções parecem ter o dom de transportar-nos para lugares tão agradáveis que sequer devem existir. Uma sonoridade que ilustra bem tal sentimento é composta pela Beirut, banda do Novo México (EUA) que ganhou o mundo com o hit Elephant Gun – e  os brasileiros com a música de abertura da minissérie Capitu (2008), de Luiz Fernando Carvalho. A aura de orquestra de world music combinada a elementos de folk do Leste Europeu difundiu uma espécie de erudição acessível a todos os ouvidos, desde o álbum de estreia, Gulag Orkestar (2006). Quase uma década depois, o grupo liderado pelo multi-instrumentista Zach Condon – que já interpretou O Leãozinho, de Caetano Veloso, em performances de outrora – lança No No No (2015), seu quarto álbum de estúdio. Após problemas pessoais, cancelamentos de apresentações, bloqueio criativo e um jejum oficial de 4 anos, Condon e sua trupe permitem-se dar vazão a um descompromisso pós-inverno que setembro anuncia cá dos trópicos.

Gibraltar e sua percussão de teclado-adesivo abrem os trabalhos indicando que o Beirut, por ora, posiciona-se naturalmente entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico, dividido pelos contrastes sociais, sonoros e afetivos de Europa e África, tal qual o acidente geográfico que batiza a canção. E sim, apesar de todas as disparidades da vida, “everything should be fine”. No No No, primeiro single lançado ainda em junho, passeia por toda a veemência instrumental que consagrou a banda, porém de forma jocosa e reincidente, como o próprio videoclipe propõe. At Once [re]assume o ar melancólico e os metais tradicionais utilizados pelo grupo no álbum The Flying Club Cup (2007), questionando: “how do you know/at once/at last/at all?”.

Beirut

Beirut, sexteto liderado por Zach Condon / Foto: divulgação

 

O segundo bloco inicia com a levada setentista e esperançosa de August Holland (no, I lost the ramparts and now/I want to send back the sound), que em alguns momentos nos remetem a Paul McCartney, para em seguida desaguar na instrumental As Needed, que utiliza violinos como base – e como o título sugere, “era necessária” para a coesão da obra. Perth, a canção mais pop do álbum, tem um suingue arrebatador: impossível não bater o pé, balançar a cabeça, estalar os dedos, cantarolar ou sair dançando. Não estranhe se ela tornar-se a trilha sonora da sua próxima viagem ou “see you in an hour, an hour back home”. A terceira e última leva de canções traz um quê psicodélico na enxuta Pacheco (how long? how long? how long? just so I know), enquanto Fener (farol, em turco, terra de sua nova musa inspiradora), faixa mais eletrônica do disco, contrasta com So Allowed (how we began to see things?), que encerra a obra no compasso de valsa, suave como um sopro de jasmim nas noites quentes de primavera.

Em suma, o novo registro da banda soa com certa distância de seu antecessor, o consistente The Rip Tide (2011) e apresenta-se menos folclórico e nostálgico que todas as obras anteriores. Não à tôa, a capa estampa uma árvore carregada de flores e uma paleta candy color. Se as 9 faixas inéditas de No No No – que cronometram menos de meia hora – não agradaram completamente os críticos e fãs conservadores da banda, acertaram em cheio o coração dos indies ávidos por canções impregnadas de sensações e simbolismos. Assim como seu homônimo árabe, o Beirut ressurge menos condimentado, porém tão aprazível quanto sua receita tradicional. Que seus ouvidos gulosos apreciem a obra sem moderação alguma.

 

Larissa Mendes diz ‘no no no’ a toda música ruim.

 

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