Gramofone

Por Fabrício Brandão

 

CURUMIN – ARROCHA

 

 

 

Quais sentidos poderíamos atribuir ao termo arrochar? No dicionário, o primeiro teor que se tem à vista é o de apertar algo com força, quiçá comprimir ao máximo para se obter algum efeito premeditado. Em se tratando das escolhas do músico paulista Curumin, batizar seu terceiro disco pela alcunha de Arrocha parece ter soado como uma necessidade de extrair ao máximo uma sensação extrema das coisas. Trata-se do trabalho mais eletronicamente carregado do artista e, segundo o próprio, construído quase que inteiramente de modo doméstico, num estúdio caseiro.

Desde Japan Pop Show (2008), segundo álbum de sua trajetória e talvez o mais emblemático de todos, Curumin deixou marcada uma forma de trilhar caminhos sonoros de modo bastante diferenciado, dialogando com elementos eletrônicos, dub, funk, jazz, samba, reggae, afropop e outras tantas possibilidades. Tudo longe de soar pretensioso, sem a necessidade de emplacar qualquer arremate vanguardista. Esse tipo de comportamento é sempre muito bom, principalmente porque retira o fardo de se esperar do novo algo sensacional sob os mais variados aspectos. Quiçá até este seja um vício perigoso de nossos tempos. E em Arrocha o músico revela-se afinado com esse descompromisso supremo da estética, passeando despercebidamente pelos difusos sentimentos de uma tônica acentuadamente urbana.

O disco pode muito bem apontar para o fato de se estar vivo e respirando a partir de uma metrópole como São Paulo, mas reforça também uma aparição de elementos da natureza. Esse tipo de contraposição de perspectivas aparentemente tão antagônicas parece revelar um desejo de suavizar tensões cotidianas. Quiçá isso prove que não consigamos viver sem mordiscar os lábios sedutores da extremidade das coisas. A sensação que fica é a de que, mesmo sendo mais fácil apostarmos na zona de conforto, a nos entregar tudo quase que falsamente acabado, há sempre um convite tentador de se saborear o limite ou algo além dele.

O caminho eletrônico escolhido por Curumin agora tem momentos especiais. Como exemplo disso, podemos destacar faixas como Afoxoque, Treme Terra, Passarinho, Paris Vila Matilde, Doce e Pra Nunca Mais. Noutro ponto, a regravação de Vestido de Prata, composição de Paulinho Boca de Cantor, caiu feito uma luva no disco, sobretudo pela interpretação.

Mais do que passar uma noção de compressão tida pelo significado imediato do título do álbum, Arrocha equilibra sentimentos, pois traz em si a vontade de atenuar certos deslizes de nossa contemporaneidade. Buscar nos elementos da natureza uma forma de conter o avanço devastador de nossa selva de pedra é uma das mensagens presentes no disco. Tudo feito com leveza, sem repetir velhas fórmulas já tão desgastadas quando o assunto é preservar o todo em que habitamos. Com um fio condutor desse porte, Curumin nos oferta um percurso sonoro agradável, deixando cada vez mais aberta a estrada de suas realizações.

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