Gramofone

Por Larissa Mendes

 

CLARICE FALCÃO – PROBLEMA MEU

 

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Entre malas, gavetas e arquivos, eis que surge uma monocromática Clarice Falcão anunciando que a bagunça organizada da capa de seu novo álbum, Problema Meu (2016), não leva este nome por acaso. Neste cerne de fofura esquematizada, foi necessário que a multifacetada artista abrisse mão do coletivo Porta dos Fundos para dedicar-se exclusivamente à carreira musical. Lançado em fevereiro e produzido pelo festejado Kassin, as 14 faixas de Problema Meu orbitam entre o [des]amor (coincidentemente o romance com Gregório Duvivier chegou ao fim em 2014) e seus derivados, mantendo composições autorais em pequenas construções narrativas que consagraram a cantora em seu álbum de estreia, Monomania (2013). Porém, voz e violão (e ukulele) – sua marca registrada – dão vazão a flertes com outras sonoridades, entre guitarras, sopros e percussões.

O single Irônico (eu gosto de você como quem gosta de um vídeo do YouTube de alguém cantando mal/eu gosto de você como quem gosta de uma celebridade B) abre o álbum em tom carnavalesco de bandinha marcial – como o próprio videoclipe sugere – e ridiculariza o verbo gostar. Se o pop Eu Escolhi Você (eu escolhi você porque/não tinha tanta gente pra ser meu, vê só/que sorte você deu) aponta escassas opções de amor, o rock candidato a hit A Volta do Mecenas (onde foi aquele moço bom da renascença/pai gentil das fábulas, romances e poemas?), composição de Matheus Torreão, clama pelo príncipe encantado a nós prometidas, numa das mais contagiantes faixas do disco. A juvenil Deve Ter Sido Eu (eu já não amo mais você/mas eu ainda odeio essa menina) beira o humor negro e narra o ódio nutrido e as vinganças arquitetadas em pensamento contra a “atual do ex”. Enquanto a verídica Marta – conversa imaginária com a dona de um telefone de número similarmais parece uma esquete do Porta dos Fundos, a melancólica Se Esse Bar Fechar, ainda da safra de Monomania, relata a espera por alguém que não apareceu (impossível não relacionar com O Que Eu Bebi, faixa do álbum anterior). Na sequência, Eu Sou Problema Meu (quando eu disse sim aquela hora/eu disse sim aquela hora/eu não disse sim por toda a eternidade) encerra o primeiro bloco de canções enfatizando que ninguém é propriedade privada.

 

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Clarice Falcão / Foto: divulgação

 

Àqueles que reclamaram a ausência do cover de Survivor clássico do Destiny’s Child que defende os direitos da mulher lançada no canal de Clarice no YouTube, eis a sua redenção: L’amour Toujours (I’ll Fly With You), sucesso nas pistas no início do milênio, entoada pelo DJ italiano Gigi D’Agostino, surge deliciosamente irreconhecível na versão acústica da cantora. Na sequência, a fatídica disco Como É Que Eu Vou Dizer Que Acabou? destaca a dificuldade de se colocar um ponto final em uma relação amorosa e os rodeios que fazemos a nós mesmos. Enquanto Duet é uma bossa nova composta em inglês que supostamente deveria ser um dueto, porém a segunda voz abandonou a gravação –, Banho de Piscina é uma canção brega composta antigamente por seu pai, o dramaturgo João Falcão, e lembra Zéu Britto em Soraya Queimada. Vinheta (eu checo as mensagens sete, oito, vinte vezes/só passou cinco minutos/eu senti passar três meses), faixa de pouco mais de um minuto, revela a agonia das respostas que não chegam para desaguar na feminista Vagabunda (toma um chopp comigo, vagabunda/que eu sei a vagabunda que eu sou/repara que conexão profunda/de ter compartilhado um mesmo amor). O folk autodepreciativo Clarice (Clarice sempre os mesmos três acordes/olha um si bemol não morde/não precisa poupar dedo) encerra a obra e zomba de suas próprias limitações sonoras.

Em Problema Meu, Clarice mantém a simplicidade em suas composições, porém os arranjos vestem alta costura (mérito ao estilista sonoro Kassin). As letras românticas de outrora dão vazão a versos espirituosos e jocosos (quiçá, rancorosos). Mais ou menos o que fazemos quando amadurecemos e olhamos para trás, satirizando nossa própria [falta de] sorte. Definitivamente a menina Falcão cresceu e passou com desenvoltura pela sempre temida síndrome do segundo álbum. Sem perder a ternura dos seus 26 anos jamais.

 

Larissa Mendes, meio Falcão, meio Lispector.

 

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1 comentário

  1. Gosto imenso de tudo isto só é pena o AFINS me contactar pouco, Até sempre Raul Paranhos

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