Gramofone

Por Larissa Mendes

 

CRIOLO – AINDA HÁ TEMPO

 

Capa Criolo

 

O messias do Grajaú está de volta para revigorar seu primeiro “sermão da periferia”. Lançado há 10 anos, com distribuição de pífias 500 cópias e repercussão reservada à orbe hip-hop, Ainda Há Tempo (2006) – primeiro álbum de Criolo (ainda Doido) – ganhou uma versão redux (apresenta apenas 8 das 22 faixas originais) em maio, pelo selo Oloko Records. O que poderia ser tão somente uma reedição remasterizada de um dos registros mais expressivos do rap nacional tornou-se uma nova versão – ainda que diminuta – que carrega o suprassumo do álbum de outrora. Se o rapper economizou no número de canções e na divisão dos vocais (há apenas a participação de Rael), abusou nas parcerias técnicas: cada faixa é assinada por um produtor diferente, o que, de certa forma, garante um frescor ao disco, novamente sob supervisão derradeira de Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral.

Como diz Criolo ao final de Tô Pra Ver: “2016. Eu escrevi essas músicas há 15 anos atrás e nada mudou, Senhor (…)”. Além dos beats, pouco mudou nesta versão compacta de Ainda Há Tempo. E talvez seja este o intuito: simplesmente formatar aquela proliferação de vinhetas e argumentos (mesmo que bons) que seriam dissecados em Nó Na Orelha (2011) e Convoque Seu Buda (2014). Sente-se a ausência de algumas canções importantes que ficaram de fora da obra, caso de Rap É Forte, No Sapatinho e Aprendiz. Parafraseando o artista, “o que você quer, nem sempre condiz com que o outro sente” [necessidade de expressar].

É o Teste (more aonde for/viva o que viver/seja um homem/e mantenha a sua postura), repaginada por Nave, abre o álbum com um discurso positivo diante das desventuras cotidianas, comprovando que “sobreviver é só pros fortes”. Na sequência, Chuva Ácida (peixes mutantes invadindo o congresso/vomitando poluentes com o logotipo impresso/B e R, quem é do mangue não esquece/as vítimas perecem, as famílias enlouquecem), revitalizada por Sala 70, talvez seja a melhor canção do remake, fazendo jus a sua atualização (originalmente composta por Criolo para um concurso sobre meio ambiente) traz referências – em forma de pequenos depoimentos – ao desastre ambiental da cidade de Mariana (MG). Enquanto o reggae-rap Tô Pra Ver (tô pra ver um daqui sucumbir/você pode até sorrir mas no final vai chorar) tem a produção de Grou e repete a participação de Rael (que na primeira versão do álbum ainda era Da Rima), Bréaco (só pode falar de vida quem vive/só pode falar de sofrimento quem sofre/só pode falar de amor quem ama/só pode falar de flow quem desenvolve), produção de Deryck Cabrera, manteve o astral original através de uma bateria eletrônica marcante.

 

Criolo

DJ Marco, Criolo e DJ DanDan / Foto: divulgação

 

Em Até Me Emocionei (então, pra falar do que sinto cantei/cantei, me expus e até me emocionei), revigorada por Sem Grana – onde Ganjaman assume os backing-vocals –, Criolo explica por que “o homem é um animal que está sempre em conflito com a mente”. Em contrapartida, a sempre empolgante Demorô, produzida desta vez por Papatinho, perdeu a potência, tanto da versão original quanto da registrada no CD/DVD Criolo & EmicidaAo Vivo (2013), marcada por um vigoroso solo de guitarra de Guilherme Held. O mesmo aconteceu com a pró-AA Vasilhame (o governo libera porque lucra com isso/e a gente toma cachaça até no aniversário de Cristo) – presente no CD Criolo Doido: Live in SP (2008) –, recriada pela dupla Tropkilazz, ponto alto em vários shows do artista. Se a versão submergiu na empolgação, ganhou no politicamente correto. Originalmente, certos versos diziam: “Os travecos tão aí, oh! Alguém vai se iludir!”. Ao compreender o sentido pejorativo do termo, o MC admitiu a imaturidade da letra e resolveu alterá-la para a palavra “universo”. A propósito, Criolo e DJ DanDan aproveitaram seu último show no festival João Rock, em Ribeirão Preto (SP), para convidar o público a condenar a tríade do preconceito: racismo, machismo e homofobia. Por fim, a homônima Ainda Há Tempo (as pessoas não são más, mano/elas só estão perdidas), primeiro single liberado, quase cantado à capela, produzido por Ganjaman e Cabral, encerra o álbum em ritmo esperançoso: “não quero ver você triste assim, não. Que a minha música possa te levar amor”.

Concebido inicialmente para celebrar os 10 anos de Ainda Há Tempo, uma vez que o registro nunca teve sequer um show de lançamento ou uma turnê, a ideia ganhou formato físico após o envolvimento de diversos nomes, tais como o do grafiteiro Alexandre Orion, que assina a direção de arte do projeto. Recebido sem muito alarde por fãs e críticos (sempre ávidos por novidades vindas da fonte do rapper, que parece nunca secar), o álbum, como de costume, está disponível para audição e download gratuito no site do artista. É interessante perceber que há uma década a poesia abstrata do profeta do rap já apontava a miséria, o desamor e o consumo de drogas pela bancarrota da humanidade. De fato, quase nada mudou. Ainda há lamento.

 

 

 

Larissa Mendes perde a rima, mas não perde a resenha. Em tempo: tal como o álbum de Criolo, a Diversos Afins também comemora 10 anos de estrada em 2016. Ao contrário, de lá pra cá, muita coisa mudou [para melhor] e o orgulho em contribuir com a causa de Fabrício e Leila só cresce. Parabéns pelas bodas de estanho. Vida longa e levas prósperas.

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