Gramofone

Por Tiago Velasco

 

DO AMOR – FODIDO DEMAIS

 

 

Fodido demais é o terceiro e mais recente trabalho do quarteto carioca Do Amor. Gustavo Benjão (guitarra e voz), Gabriel Bubu (guitarra e voz), Ricardo Dias Gomes (baixo e voz) e Marcelo Callado (bateria e voz), nestas dez canções (mais bônus track), seguem firme em sua antropofagia pop globalizada, ao deglutir e transfigurar ritmos variados – do indie rock ao partido alto, passando pelo frevo e pelo free jazz – utilizando guitarras, distorções, sintetizadores e um senso de humor peculiar que são a assinatura da banda.

Quem conhece já está acostumado e até espera essa miscelânea sonora. Em Fodido demais, no entanto, o caldeirão do Do Amor pareceu mais equilibrado e enxuto (apenas 11 faixas, contando com a bônus track, pouco se comparado ao disco anterior, “Piracema”, com 18 canções). A concisão, os arranjos mais redondos e sutis e a seleção e a organização do repertório apontam para uma banda mais madura, sem que isso represente qualquer quebra no que vinha sendo feito até então. Os rapazes estão, claramente, polindo o projeto estético que vêm desenvolvendo.

Se até a faixa sete, Fodido demais apresenta a faceta rock da banda de forma mais evidente, mesmo que em sentido amplo e sem um respeito conservador ao gênero; as quatro últimas atiram-se de forma mais descarada no samba, no frevo e em demais ritmos do país. Mas sempre através de um filtro cosmopolita, como o partido alto com sintetizadores “Minhas vozes”, a bem-humorada “Metaleiro vento”, faixa que começa como um free jazz e logo incorpora ritmos regionais brasileiros, fazendo a cama sonora para versos como “Metaleiro vem/ Pegue nessa viola/ Eu sei que você curte Astor Piazolla/ E isso você nunca pode negar” e “Metaleiro sai/ Saia dessa redoma de fumaça preta/ Caia no reggaeton e abrace o capeta/ Ele brinca com fogo e você de Abadá”. O bloco “não rock” se completa com “Frevo da razão”, um frevo à moda Do Amor que conta com a participação luxuosa – e grave – dos vocais de Arnaldo Antunes.

 

Do Amor / Foto: divulgação

 

Mas rock e não rock não são boas formas de dividir o trabalho da banda, já que o apagamento dessas dicotomias e de quaisquer fronteiras sonoras é parte da proposta do quarteto. Assim, o indie rock de guitarras “Peixe voador”, música que abre o álbum, convive harmoniosamente com “Fodido demais”, canção densa cujo peso remete ao grunge e que traz trechos da obra Do Amor, do autor francês Stendhal, recitados pelos quatro integrantes, e com “A lince”, faixa com um quê de rock progressivo, mas com a virtude de não se deixar enfeitiçar pela egotrip virtuosística característica do gênero.

Duas faixas parecem estabelecer conexões mais próximas a músicas de outros trabalhos: o hit pop de Benjão “O aviso diz” é primo-irmão de “Ofusca”, canção de “Piracema”. O parentesco não é à toa, já que “O aviso diz” foi composta na época da pré-produção do disco anterior. Já “Make songs”, de Dias Gomes, remete não só a “I’m a drummer”, de Marcelo Callado, pelo jogo de palavras em inglês que as duas faixas estabelecem, mas, também, por obedecer a uma estrutura de repetições que parece atrair o baixista e que está presente, por exemplo, em “Exploit”, faixa do primeiro disco, “Do Amor”, lançado em 2010.

 Fodido demais deve ser ouvido várias vezes, se possível com fones de ouvido, o que permitirá escutar as camadas sonoras e as texturas que se escondem por trás de arranjos que só são simples na superfície. Neste terceiro álbum, a Do Amor sedimentou sua proposta estética e valorizou ainda mais as canções, demonstrando que a maturidade trouxe sutilezas benéficas para a banda e, por que não, para os ouvintes.

 

Tiago Velasco nasceu em 1980. É doutorando em Letras na PUC-Rio, mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, jornalista e escritor. Autor dos livros de contos Petaluma (Oito e Meio) e Prazer da carne (Multifoco), além do livro de não ficção Novas dimensões da cultura pop (Multifoco). Em 2015, ficou em quarto lugar no Prêmio Off Flip de Literatura na categoria contos.

 

 

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