Gramofone

Por Thiago Mourão

 

ILLY – AFROUXA

 

 

É certo que de passo em passo se constrói um caminho e é de single em single que a baiana Illy Gouvêa vem conquistando seu espaço, não só junto ao público e à midia, mas também aos artistas já consagrados da MPB. Pavimentando uma carreira cuidadosa e sólida, regida com louvor por Jorge Velloso, Illy lançou em junho deste ano seu primeiro de dois singles, Afrouxa.

Com cinco músicas, disponíveis gratuitamente no spotify, o trabalho tem como carro chefe a faixa Afrouxa, canção inédita de Arnaldo Antunes, um dos compositores paulistas mais baianos, em parceria com Davi Moraes e Pedro Baby. Esta primeira música já mostra de cara que, mesmo radicada no Rio, a baiana quer mesmo é trazer ainda mais a Bahia para o mundo.

Mas esqueça clichês de axés, arrochas, humor escrachado ou pagodões. A Bahia que Illy traz, sob regência do produtor Moreno Velloso, um craque, é a Bahia de ritmo próprio, com uma leve lembrança dos Novos Baianos, mas com outros baianos. E se arte fala e mostra, Afrouxa faz isso tudo e mais: traz sensação. É quase possível sentir o cheiro do dendê misturando com alfazema e mijo da lavagem do Bonfim. A musicalidade que acompanha os versos de manhã /ainda é cedo / de tardinha, amor/ ainda é cedo também é um explícito convite à cidade alta para ver o pôr do sol nascer, deixando neste verso o jogo de oposição poética, uma marca de Arnaldo. Tudo isso com a percussão contrastando a doçura vocal de Illy.

Imagens são o que não faltam nesta faixa, na qual os compositores mostram que a sereia (talvez do Rio Vermelho) é Iemanjá, que beija Iansã e também Nanã, ampliando o cenário da baía com beijo da chuva com o mar. E o tom libertário da música, de quem pede um pouco de espaço para curtir a profanidade baiana, exemplificando o beijo de Adão e Eva, sem esquecer a lealdade (não suposta fidelidade) do amor, segue para uma balada mais pop em Só Eu e Você, lançada em 2016 e produzida por Alexandre Kassin.

A música, com letra de Chico César, ficou conhecida pelo grande público ao se tornar tema de Claudia Ohana na novela Sol Nascente e é uma daquelas baladas que não saem da cabeça. A faixa traz também a intensidade artística de Illy, quando degusta dos versos vigorosos fazendo amor/botando pra moer/ só eu e você ou tudo em pausa só por causa do eclipse/ da elipse que o tempo fez por nós, dando sobriedade e sinceridade a um término de um romance de sexualidade profunda e energias explosivas. A balada pop, que já abre falando que o Instagram não terá fotos, comunica tanto com as novas gerações digitais, quanto com as gerações analógicas.

 

Illy / Foto: Fernando Young

 

E Illy é ainda mais Illy quando começa a faixa Ela, do baiano Arnaldo Almeida, integrante da histórica Confraria da Bazófia. Uma letra de mulher forte, extremamente apaixonada, intensa e, principalmente, inteligente. Não à toa, esta é a música do meio e nos dá a melhor pista do que virá no próximo single, Djanira, a ser lançado em novembro e que já tive a honra de ouvir. Sem o feminismo de fachada, em voga ultimamente na tal arte engajada, mostra não só o trânsito livre social da mulher ela é do centro mas não se incomoda/com as cores do subúrbio, como também a alma feminina, que se apaixona, mas observa. A mulher do século 21, que transpira formosura enquanto é sulamericana, inglesa, do tempo e, acima de tudo, baiana. Com a percussão da terra da magia e de musicalidade gostosa, fácil de ouvir e viradas empolgantes, Ela traz a suavidade da voz de Illy, mas com ataques nos versos um pouco mais firmes.

Enquanto você não chega, de mestres baianos como Cézar Mendes, Capinan e Pretinho da Serrinha, traz em sua musicalidade a lembrança do samba santoamarense, terra de Cezinha. Com a poética utlizando-se de termos do samba como enredo, porta-bandeira e compasso, é uma ode ao samba. Dentre tantas homenagens ao ritmo já produzidas, esta se destaca por mostrar a doçura de Illy de uma forma mais ágil, valorizando também a sonoridade do recôncavo baiano, em excelente produção de Alexandre Kassin.

Ainda aproveitando-se da influência do samba, talvez onde Illy se encontre melhor, Olhar Pidão tem musicalidade um pouco mais de balada, e a letra, do também baiano Ray Gouvêa, segue a linha da mulher forte e irresistível, em jogo de palavra que amacia o ouvido: quando você me olha com esse olhar de louça/outra moça fica pra trás. A faixa curta encerra o single deixando o ouvinte com gostinho de quero mais.

E virá mais Illy em Novembro, com o single Djanira, que, junto com Afrouxa, se tornará o albúm Voo Longe, produzido por Moreno e a ser lançado no ano que vem. Enquanto isso, você pode assistir aos clipes de Illy e aos vídeos dela com artistas como Caetano, Fagner, Chico César e Mart’nália.

 

 

Thiago Mourão é escritor, autor dos livros Mosaico de Sensações e Java Jota e de alguns artigos políticos em O Globo. Atualmente, prepara um livro de contos para ser lançado em breve. É também revisor responsável pela Editora Bem Cultural e trabalha com assessoria de imprensa da bela região do Vale do Café, no Rio de Janeiro. 

 

 

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