Gramofone

Por Fabrício Brandão

 

LEO GANDELMAN – VIP VOP

 

 

 

Entre aquilo que efetivamente somos e o que pensamos ser, há um hiato por vezes imperceptível. Coisas se agigantam e somem diante de nossas mais firmes certezas e arremates. Cenários se revezam de forma frenética, transpondo o pano de fundo de tantas investidas e revelando que o fio delicado da existência atravessa toda sorte de pretensões. Caminhando um pouco mais por sobre a passagem do tempo, talvez consigamos perceber que o jogo dos extremos flerta a todo instante com nossas hesitações. E assim, sabendo-nos duais por natureza, firmamos o pacto de sermos som e silêncio na medida em que a vida e seus imperativos pedem passagem.

Quando a arte assinala lembranças em torno dessa ciranda de signos em que estamos envoltos, muitos horizontes podem se descortinar. E gente disposta a tecer representações dessa natureza não é algo tão raro. Exemplo vistoso disso é quando nos permitimos ouvir VIP VOP, o mais novo trabalho do saxofonista Leo Gandelman.  A começar pelo título, o músico já deixa clara a sua intenção de provocar nossa atenção rumo a uma jornada que sabe ao instigante e complexo universo das porções humanas.

Enquanto a porção VIP (Very Important Person) remonta a uma espécie de Olimpo do ser/estar, sua correspondente antagônica, VOP (Very Ordinary Person), por sua vez, firma os pés no chão sem aniquilar as asas de Ícaro. Da combinação desses dois termos, prevalece muito mais uma noção de complementaridade do que uma mera oposição de sentimentos. E sermos, ao mesmo tempo, especiais e comuns é condição necessária para que a lucidez não afaste o sonho, ou vice-versa.

O fato é que o norte escolhido por Leo Gandelman aponta veredas sublimes em torno dos contrastes que moldam nosso barro. O disco de então prima por um traço bem digno de um vigor poético, trazendo à tona todo um percurso apoiado em gêneros como a Bossa Nova, o Samba e o Jazz. Nesse ambiente de fusões rítmicas, cada faixa deixa exalar o quanto de pesquisa musical habita a vasta carreira do artista. A condução dos arranjos e a disposição do repertório são pontos precisos do álbum, tecendo um painel de sensações que se apoiam em recortes valiosos de nossa brasilidade.

Do mosaico de imagens sonoras percebido no disco, chama atenção a intensidade de composições como Sinal Vermelho, Nego Tá Sabendo, Vip Vop e Numa Boa. Do mesmo modo, uma aura de delicada beleza toma conta das escutas em torno de Luz Azul, Neshama (Para o Meu Pai) e Alma Cubana. O time de músicos, composto por David Feldman (piano), Alberto Continentino (baixo) e Renato Massa (bateria), é virtuoso e reforça de modo especial o caráter de permanência da obra.

Com 10 discos solo na bagagem e uma trajetória de projeção nacional e internacional, Leo Gandelman consolida em VIP VOP uma maturidade musical deveras importante. O artista visita cenários de nossa rica sonoridade sem apontar para a tão desgastada noção da releitura. O resultado é um mergulho autêntico por sobre aquilo que está entranhado de modo valioso em nossa cultura. Ao penetrar cada espaço materializado na alameda instrumental do álbum, cotejamos o equilíbrio do ser como forma de sabermo-nos parte de um lugar que nunca estará cheio nem tampouco vazio. Bom mesmo é saber que o lado sublime das coisas afugenta excessos.

 

 

 

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