Gramofone

Por Fabrício Brandão

 

TULIPA RUIZ – TUDO TANTO

 

 

 

Tulipa Ruiz ataca de novo: fato consumado. Não foi uma emoção “efêmera” acreditar que a cantora e compositora aconteceria bem mais do que um instante primeiro. Não, não foi. E o ato de pensar que as coisas não cabem em si mesmas pode até justificar, de imediato, o título da nova investida. Tudo Tanto é, sim, uma espécie de incontido, talvez o algo indefinido da pós-modernidade. E deixemos de lado as redundâncias aparentes desse somatório de palavras que se traduzem no rumo da intensidade.

O segundo disco dessa arrojada criadora é um beijo de língua na contemporaneidade. Sem exageros e afetações, a moça se agarra ao presente como o único lugar quase certo que habitamos. Seu canto preciso emana de lugares que não deixam a vida parar de girar. Nada de promessas do paraíso nem tampouco receitas prontas de felicidade, principalmente quando a tônica é falar do amor e seus apetrechos. Viver, aqui, é fazer travessias sem saber o que está do outro lado. A receita é tatear o invisível e não profetizar os desvios. Apenas seguir.

A marca autoral de Tulipa confere uma singularidade aos caminhos percorridos, tanto que seu traço criativo está espalhado por todas as faixas do disco. Diga-se de passagem, o peso que a porção de compositora exerce sobre o trabalho da artista é significativo e reforça as bases de um perfil cada vez mais próprio. Se em Efêmera (primeiro disco da cantora) já tínhamos pistas do terreno valioso no qual nossos ouvidos estavam penetrando, agora fica a certeza de que algo muito melhor estaria à nossa espera.

Tudo Tanto é, sobremaneira, um disco sensorial, repleto de experiências não apenas sonoras, mas também imagéticas e quiçá táteis. A canção “É”, por exemplo, espécie de abre-alas, já nos coloca em conexão com a dinâmica dos sentimentos sublimes em torno do amor e da vida. E tudo ali a passar como num filme no qual cada um de nós se identifica à sua maneira. De fato, o que há de sobra no álbum é uma multiplicidade de cenários possíveis para nossa volátil existência.

Cada trecho desse agradável percurso musical tem algo a ser degustado e digerido sem medo de reações adversas. Mais provas? Basta captar as vibrações de Ok, Quando eu achar, Desinibida, Dois Cafés (com Lulu Santos), Bom e Cada Voz. Em Víbora, canção escrita em parceria com Criolo e que pode muito bem servir como verdadeiro ápice do disco, Tulipa mostra que seu momento é precioso, intenso e agarra com todas as forças de sua lírica voz o universo que a canção lhe oferta.

Para tornar o ambiente ainda mais especial, é impossível passar despercebido pelos arranjos de cordas e madeiras assinados por Jacques Mathias e devidamente regados a violino, violoncelo, viola, clarinete, flauta e clarone. Some-se a isso o dedo valioso de Gustavo Ruiz, irmão da cantora, na produção do álbum e na composição de algumas canções.

Em sua atmosfera essencialmente pop, Tudo Tanto é bem construído em forma e conteúdo. A simplicidade das letras ganha uma dimensão mais ampla quando somada ao precioso trabalho vocal de Tulipa e aos vigorosos arranjos. Falar de relações, sobretudo amorosas, não é tarefa das mais fáceis. E isso parece fluir com certa leveza nas mãos habilidosas da artista que sabe, como ninguém, transitar por lugares que tiram a maioria das pessoas do sério. No embate entre sentimentos certeiros ou imprecisos, tudo se desloca para adiante e o passado pode representar apenas uma mera lembrança nada nostálgica. Tudo isso talvez “porque estar vivo já foi mais estranho”.

 

 

* Tudo Tanto está disponível para download no site da artista


 

 

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1 comentário

  1. A materia esta excelente e Tulipa, nem se fala. Cada vez melhor. Veio pra ficar. Das cantporas brasileiras da atualidade, é sem sombra de dúvida a mais criativa, instigante…

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