Gil T. Sousa
do teu nome
sobra de todo o silêncio
o raro acorde
do teu nome
a que solidão altíssima
me entregas
quando te deixas morrer assim
no abraço faminto
do tempo?
***
claríssimo lugar
e chega-se ao lugar
do saber
ao claríssimo lugar
de tudo se nos correr no coração
como luz
como um animal devotado
e louco
branco, muito branco
caído nos olhos fechados
no outro lado
como se fosse enfim
a morte
***
caçar a água
caçar a água
no veludo escarlate da sede
pela madrugada
no coração tenro
da neblina
antes que a maré suba
os labirintos
aos pássaros
revelar a pedra
ensinar o lado de dentro
do musgo
a curva macia
dos seixos
porque a loucura
deve ser rasgada por dentro
com as mãos cravadas numa ponte
acesa ao abismo
***
é preciso dizer
é preciso dizer
que não há mais nada a celebrar
nem os homens
nem as ideias
nem o tempo
essa fenda
que te atravessava a vida
esse rasgão generoso
que te aproximava os céus
fechou-se
estás perante o escuro silêncio
das coisas mortas
não abandones os espelhos
ainda que quebrados
eles são o palácio derradeiro
o último jardim
a gota impossível
de secar
guarda aí a semente
as palavras
as vozes
as imagens
porque o amor
é um minucioso trabalho do tempo
em direcção à morte
(Gil T. Sousa (1957) nasceu e reside em Vila Nova de Gaia e é Licenciado em Comunicação Social pela Escola Superior de Jornalismo do Porto. Escreveu: poemas (2001), falso lugar (2004) e água-forte (2007), edições privadas do autor. É autor dos blogues: poesia, falso lugar e exercícios de esquecimento)
Prazer ler estes poemas que se debruçam na finitude: do som, do ser, do nome. O abraço faminto do tempo, amor que labora a morte: querer chegar a um claríssimo lugar, depois de caçar a água.