Janela Poética I

Gustavo Petter

 

Arte: Julia Debasse

 

 

biografia autorizada de um bom garoto:

não fora menino monossilábico
não guardava cigarros no quarto
não fora à feira do livro
de porto alegre com dez
reais mais grana do metrô
e comprou henry miller
castañeda kafka
marquês de sade

não bebeu as lágrimas
da garota  de jeans
& camiseta dos ramones
não permanecia no vagão
para ouvir jazz
e o ritmo dos trilhos
não encenava suicídios
fora o melhor atleta da turma
não contemplava tempestades

imagens como: naufrágio aceso
rumor dos ossos, vestir
as vísceras do primeiro amor
não o excitavam

de fato
o olhar é doce
e estrangeiro nos retratos.

 

 

***

 

Acesa como girassol de van gogh, no princípio. Incidindo sobre mesa e livros. Pétalas em chamas e aroma luminoso. São tantas formas de atear cores quentes à sobriedade do quarto: cortar os pulsos, acender um cigarro, pintar os lábios, descascar uma laranja, adotar um gato amarelo de olhos cintilantes. A mais simples: reatar o ciclo e substituir as flores do vaso. Se cultivasse diários, lembraria o momento exato em que julguei cruel tal rotina. O passado recente ainda recende seu sangue.

 

 

***

 

 

meu delírio pulsa
onde despencam
cadáveres de borboleta

onde poesia
se celebra
com orgia ritual:
homens e palavras
se fecundam.

fera miraculosa
vomita o caminho
desde que enterrei
nos olhos
o mapa de pasárgada.

 

 

***

 

 

Mergulhas
em águas escuras.

Metade oculta
outra flutua
em meus olhos.
Corpo lunar.

Disse que o frio
são agulhas.
Permito ao delírio
raie sol.
Então,
réptil imóvel
te aqueces.

Não há musa
anadiômena.
Tudo é linguagem.
Há Botticelli e Rimbaud.
Há signos e rumor
nas palavras
& frag
me
nta
das
Visões.

 

 

***

 

 

Os dentes de eva
rompem com rumor
o rubro verniz.
Entoam o gozo
compasso ritual.

Sustente o ritmo
famélica eva
tua língua navalha
navega meus olhos
de um lado a outro.

Caninos agudos
transpassam o fruto.
Colha minha órbita
o ovo das Visões
encene os delírios.
Baile com Bataille
o último tango.

À porta do paraíso
uiva um cão andaluz.

 

 

(Sou Gustavo Petter, nasci em 1984. Moro em Araçatuba/SP. Para mim signos eróticos e obscenos, anti-religiosos, meta-poéticos e associações livres coabitam com a materialidade da palavra e uma contemplação oriental no corpo do poema. O poema não admite policiamentos morais, estéticos. A liberdade possível é a linguagem)

 

 

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1 comentário

  1. Gosto muito da poesia de quem não tem 10 reais pra ir na Feira do Livro de Porto ALegre.A poesia vem de graça,Parabéns pela tua.

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