Janela Poética I

 

Foto: Juh Moraes

 

VOO

Fabiana Turci

 

I.
te sabia Ícaro
em altura e desejos.
num azul impossível,
a curvatura delicada,
de pasmar gaivotas,
tramava no meu corpo o curso das alturas,
no desejo de ver-te sob esta claridade de meio-dia.
a superfície crescente impunha-se aos ombros
fazendo verdade da fantasia
e, do sonho,
corpo.
fiz-me pássaro,
seguindo-te,
a dividir o azul.

 

II.
que te pedi, Ícaro,
para que cuidasse
da queda.
que nas margens
nuas
da praia
não restasse o meu corpo,
abandonando ardências.

 

III.
e me destes essa casa
de pedra e paredes
onde o céu desaba,
pelas manhãs,
nos corredores
fazendo caminho do meu cansaço.
o teu olhar, desde dentro,
me ofertando o infinito.
se já era teu o azul
– dentre os muros
de onde te fizeste –
tive de ti
o sol mesmo,
transfigurado pelas artes
do teu desejo.
perdoe-me, Ícaro,
se me faltou ver o artifício.
se reconheci a incandescência
e na iridescência me fiz inteira,
irradiando teus sonhos de cera.

 

IV.
foi de asas, Ícaro,
o meu erro.
de supor que o corpo,
entre o voo e a permanência,
encontraria seu contorno.
e porque te quis mais terra
fiz-me, adolescente, ideia
para que intuísses dissipação.
por me querer contradição
que me fiz celeste.
e me entreguei a ti
como casa.

 

V.
sei que foram muitas as
vezes em que me ofereceste
o fio de Ariadne.
eram os pés, antiquíssimos,
que negavam partida.
os pés soldados à terra
como quem ouvisse,
feminino,
os apelos do que é
só possibilidade.
a terra úmida,
fértil.
o novelo em minhas mãos.
mas é o azul, Ícaro,
que é irresistível.

 

(Fabiana Turci é formada em Filosofia e mestranda em Educação, Arte e História da Cultura. Presa entre a palavra e o silêncio, escreve para incomunicar. Publicou o livro de poemas Desobjetos (Ibis Libris, 2009) e organiza a coletânea História íntima da Leitura (no prelo))

 

 

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3 Comentários

  1. É sempre um prazer conferir as edições da Diversos Afins. Feliz por lê-la aqui, Fabi. Solo em mi bemol é uma bela série, profunda, densa, referente (reverente). Este começo – Voo – é de um imponderável próprio do desejo, anunciando o que virá (sequências das demais partes do poema, inclusive): Suspensão e Queda. Parabéns (tb, para a revista). Beijos.

  2. (vírgula desnecessária ali)

  3. Ícaro nunca quis fio de Ariadne.
    ícaro queria apenas se encontrar,
    perdendo-se na liberdade.
    JIVM

    Belo poema!

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