Janela Poética I

Ana Farrah Baunilha

 

Arte: Alessandra Bufe Baruque

 

falta

 

quase morro (e não vejo tudo) tenho uma síncope uma febre delirante culpa dessa fome uma fome maior que a do jejum uma secura desértica que é sede de gente um oco buraco negro que ultrapassa a borda desse corpo o meu tão incompleto e aleijado sobra de vazios e partes faltantes (o corpo do outro) pra tapar o sol das minhas carências todas com uma peneira mais que furada.
Eu não me basto.

 

 

 

***

 

 

 

odisséia para diacov

 

Ela diz ser ela mesma. Ninguém acredita mais.
Acordou, se olhou no espelho e percebeu-se de ser ela, sem surpresas.
Mas aconteceu de ninguém mais lhe acreditar.
E já nem os documentos lhe creditam identidade. Perdeu-se.
Sabe de si. Sabe bem quem é, de onde veio, de quê se alimenta.
Os outros é que duvidam…
Em crise de identidade, questionou
as próprias
digitais.

 

 

 

***

 

 

 

Eu me mostro assim, um tanto,
por ser tão
fratura exposta
a me sangrar toda
é a minha verve
assim, de se esvair
tenho pressa, sou urgente
derrame sem estanque.
Agradeço a ti, pela coragem de ter
andado por aqui
sem se cortar.

 

 

 

***

 

 

 

praga

 

eu vou estar na costura do teu bolso,
na barra daquela calça
no desfiado da bermuda que nunca arrumei
dentro dos teus potes de becker
na ferrugem da furadeira de mesa
no furo aberto da acetona
na composição do nootrópico
na semente da Argyreia
no rasgo da orelha do gato
no estrago da mesa de plástico
na unha torta do teu pé.

 

 

 

***

 

 

 

a vida arranha,
esfola a gente
esfrega nossa cara
no asfalto e depois
abraça, limpa, cura

 

 

 

***

 

 

 

um abuso
a minha gargalhada
o meu escracho
a minha indiscrição no falar
um escândalo
a minha roupa, o meu batom
meu jeito de andar

acham tudo muito chocante
[eu dançar sozinha sem música chega a ser um ultraje!]
a falta do sutiã, minha fome de dragar
o esquecimento das unhas
a exagerada alegria

me querem como zumbi, igual a tudo
ao meu redor
morto, tristemente morto
irremediavelmente

sem graça.

 

Ana Farrah Baunilha é gaúcha da leva de 81, ano do Galo. Leu muita bula de remédio, vê poesia onde não tem e escreve desde sempre. Escorpiana caverninha, tem um autismo brando. E isto avança.

 

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1 comentário

  1. lasca teu aroma nesse mundão véi, Baunilhaaaaaaaaaaaaaa!!!!!
    lhamolha!

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