Elizabeth Hazin
PRINCÍPIO DO FIM
Por que nada permanece inteiriço
em sua casca,
protegido?
um dia racha
e pela fenda
passam peixes e navios
fantasmas que na noite ganham vulto:
fogo, chama, fumaça
nada permanece inteiro
tudo se esgarça
assim é o intervalado texto do destino,
forrando a mesa
por que não se estende eterno,
se é tão fino?
por que não dura a inteireza?
***
FELICIDADE
É essa sombra que me passeia
essa possibilidade
………………………de ser
esse ser não sendo
alforje quase cheio
(menos que isso. Menos.)
nuvem oblíqua
em um céu de papel e tule
é essa consciência, talvez, de incompletude
ou da vida, reticente e vaga
é esse fio de navalha em que me equilibro
……..sem asa que me suspenda
……..ou mão que me segure
é essa trama em ouro e cobre
…….que na solidão do quarto se urde.
***
MAR DA CHINA
a minha mãe
Por sobre as ondas da China
onde se inscrevem palavras
todo o alfabeto navega
só pra você e pra mim
no oceano amarelo
–- puro caminho de água –
tudo é papel e nanquim
da China toda a beleza
(não fosse o mar, que seria?)
passa ao Japão das cerejas:
a porcelana e a seda
as invenções e a arte
(que norte enfim haveria
não fossem bússola e letra?)
***
POUR CAMILLE
A Camille Claudel
Quem modela a vida
(se tudo é forma
e belo
como flui o Sena) ?
Olha quanto é duro o mármore
e quebradiço
mas teu cinzel
sob o martelo o dobra
– é teu feitiço –
revelando segredos lá fincados.
Quantas vezes olhaste o rio
em frente à tua casa
e em que pensavas
rebelde menina apaixonada pelo Amor?
Esqueceste que não se molda o Amor:
sua matéria é vil
sua matéria é o nada.
Mas não estás só.
De certa forma
enlouquecemos todos
………………………..em asilos
………………………………..exílios
…………………………………………idílios.
Somos todos loucos
não tu só
com teus olhos azuis escancarados
olhando-nos do lado avesso do vidro
– tolo artifício:
não existe abrigo
contra a luz da loucura.
Deixa queimar até os ossos
(e não será tudo mesmo
reduzido a cinzas?)
Deixa arder fundo
pois só essa brasa
– que nos traz a morte –
nos ilumina.
***
LUX DELENDA EST
LUX DELENDA EST, alguém disse
e houve a escuridão
–
……………………..esse apocalipse –
manhãs e noites em confusão.
Era chegada a vez do Homem
– oh quão dessemelhante! –
homem e mulher, deles chegara a vez.
Onde o Paraíso
…………………………….– esta maçã –
no melhor pedaço, arrancada aos dentes?
era tudo agora pelo avesso
e viram como a vida é vã
……………………………………….. (é sempre vã)
e que tudo tinha fim
………………………………………. (como começo).
(Fosse um domingo talvez?)
Alguém sentenciou:
Não mais multiplicai-vos
e que não haja mais ódio sobre a terra
nem amor.
Dispersai-vos dispersai-vos
sem todavia esquecer a minha imagem!
Restavam, porém, os bichos
e o mesmo alguém falou:
Não mais seres vivos
………………………………………. – basta com tudo isso! –
não mais voem aves por sobre a terra
nem haja mais serpentes rastejantes
………………………………… ….segundo sua espécie.
Não mais animais domésticos
………………………………… ……………nem feras
de olhar faiscante.
Alguém achou que isso era bom
e como tudo mesmo fora já confundido
e já não havia precisão
de lua sol e estrelas
…………………………………… – a governar luz e trevas –
com um gesto
todos os astros foram abolidos
………………………………… ……….eternamente.
Aí cessou a erva verdejante
e não houve mais árvores
nem frutos com sua semente,
…………………………………. nem flor.
E as águas tornaram a mergulhar nas águas
não mais houve mares
………………………………….. – nem lágrimas –
nem terra de continente.
Desfez-se enfim o firmamento
e só aí então
esse alguém descansou.
Elizabeth Hazin (Recife-PE, 1951). Publicou Poesias (1974), Verso e reverso (1980), Casa de vidro (1982), Arco-íris (1983), Espelho meu (1985), Martu (1987), O arqueiro e a lua (1994). Em 2006, a Vieira & Lent reeditou uma segunda edição — revista e ampliada — de Martu, livro vencedor do Prêmio Rio de Literatura (1986) e foi publicado Lêgo & Davinovich (7Letras) escrito a quatro mãos com Davino Sena. Em 2010, a Vieira & Lent republicou Arco-íris e em 2014 publicou Mágica de Carrosel (infantil). Atualmente é professora Associada Plena junto ao Programa de Pós-Graduação da UnB, líder do grupo de pesquisa Estudos Osmanianos.