Janela Poética I

Vanessa Dourado

 

Foto: Antonio Paim

 

GENTES

 

retiro a carne deste corpo
que de corpo
sequer corpo é
e exponho ossos
sobre este rosto
que reluz a máscara
que eu nunca quis,
que eu nunca aceitei usar

não são maus os homens que roubam
nem as mulheres que choram
pelas esquinas da fome
pelas ruas do hoje
não cabe
sua vontade de ser gente.

 

 

 

***

 

 

 
CORPOS ABERTOS

 

Abrem
Lapsos sem regras
Vívidos tatos
Pupilas dilatadas

Dilatam
Grampos em pernas
Límpidos bálsamos
Mãos entrelaçadas

Entrelaçam
Bocas servas
Segundos grávidos
De prazer sem calma

Mundos recíprocos
Lascivas mostras
De corpos abertos.

 

 

 

***

 

 

 

VOCÊ MEIO FIM

 

e lá
quando chego
………………. ..no meio
de você

e aqui
quando logo
……………. ..no fim
de mim

chega logo
aqui e lá
…………..no meio e
………………………no fim
de você em mim.

 

 

 
***

 

 

 
CHÃO

 

Desterritorializo
O liso mundo
não me serve

Absinto de si
Coágulos de outros

Alquimia delirante
Religião sem hão

Tudo é

Sondo limites
Embriago o mundo
Chão é sempre chão
Os pés têm memória.

 

 

 
***

 

 
LIBERTUS

 
Não amarrarei
uma fita colorida
ao rabo do gato
Ser livre,
liberto,
libertino
Dói
Nem sempre
é lindo.

 

 

 
***

 

 

 
UM DESTINO É POUCO

 

Nunca tive morte tranquila
todas elas foram desesperadas.
Um tiro de desilusão no meio do peito,
uma facada de solidão no fundo da alma.
Vi as tripas da minha tristeza por tantas vezes
que perdi as contas.
O afogamento é sempre o mais comum,
o gosto do sal desidrata.
O encontro com o chão da realidade
depois de mergulhar no amor do trigésimo andar,
levantar com as costelas da esperança quebradas.
Nunca foi fácil.
Eu sigo morrendo,
sou o pior dos vasos
porque ressuscito.

 

 

 
***

 

 

 
PANTERA

 

Lampejos de vida sem frio
Sem freio
Veias abertas no seio da fera
Feitas a ferro
Olhos fundos e sem beleza
Profundas brutezas
Corpos sobre a mesa
Servidos à francesa
Tiro único e certeiro
No meio do peito
Prova não ser passageiro
Ainda que sem leito
Cobre-se de miudezas
Enche-se de sutilezas
Dança sem presteza
Morre sem nascer.

 

Vanessa Dourado é escritora e feminista latino-americana. É autora do livro “Palavras ressentidas” – Editora Giostri, 2015e colaboradora na Revista Berro, vive em Buenos Aires.

 

 

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