Janela Poética I

Vinícius Mahier

 

Ilustração: Bianca Lana

 

ganchos

 

vi deus pendurado nos ganchos de uma palavra
eu não distingui a palavra em que vi deus pendurado
eu não suspeitei que a palavra fosse uma espécie de deus
prestes a cair, como se fosse
deus.

eu não fiquei cego ao perfurarem-me o olho
eu não percebi o meu olho ao tateá-lo com o outro
eu não suspeitei que esse olho fosse uma espécie de deus
prestes a me pendurar, como se fosse
deus.

 

 

 

 

***

 

 

 

 
travessia

 
se a
câmera
da tua pupila

fosse um braço em direção à água

o olho esquerdo
em intervalos
de colinas

abriria a pálpebra —

………………………..ao meio.

 

 

 

 

***

 

 

 

 

poema

 
o avesso da tua voz não constitui um corpo

a origem da tua voz não reencontra o espírito

a beleza da tua voz não petrifica o músculo

a potência da tua voz não é ainda um sopro

o resíduo da tua voz não acumula rosto

a lacuna da tua voz

 

 

 

 

***

 

 

 

 

autorretrato com seio à mostra

 
o vestido deslizando
pelos ombros
insinua

………pano.

 

 

 

 

***

 

 

 

 

jurisdição

 
depois de cruzada a fronteira,
fuzilem a todos, um a um.

mas antes, meu deus, antes, reajam
praguejem destruam! não permitam, deus,
que morram
em solo estrangeiro.

 

 

 

 

***

 

 

 

 

poema metaescrotal

 
deus
e o diabo

farinhas
do mesmo saco

 

 

 

 
***

 

 

 

 
óbito

 

hoje a boca amanheceu
cheia de formigas
cada qual com um pedaço
de letra por sobre
a cabeça miúda
levavam toda palavra
na ponta da língua
garganta adentro.

 

 

 

 

***

 

 

 

 
outra vez tatear a terra

 
à procura dos óculos
que não mandamos fazer.

 

Vinícius Mahier é graduando em Letras pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), com ênfase de pesquisa nos estudos de literatura e globalização. Publica seus poemas no blog No passeio íntimo, além de textos em jornais e revistas.  E-mail: viniciusmahier@hotmail.com

 

 

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