Janela Poética I

Lilian Aquino

 

Foto: Angelik Kasalia

 

Último andar

 

Eu te encontrava no
elevador
tinha um espelho
daqueles que todo
mundo fotografa mas
a intimidade agora era
a distância subindo
desconhecendo nossos
reflexos esmaecidos
esquecidos das tantas
vezes que te chamei pelo
apelido diminutivo e
sem ter o que falar
– que não sou de gritos –
silenciava andar por
andar e eu repetia
a capacidade
máxima, o peso
a placa schindler
sem adivinhar o
quanto de carga
puxava no pensamento
aquele quadrado
suspenso por aço
correntes que prendiam
a respiração
porque eu te
tanto.

 

 

 

***

 

 

 

Uma janela sobre a cidade

 

Não devemos proteger
com panos quentes
cortinas cerradas
esta cidade
espreitada aqui do alto
porque este é um lugar
onde ainda se pode estar nu
Aqui os corpos
se movimentam
diante da varanda
exibidos
nesta sala erguida
acima de outras duas
salas como esta.

Uma cidade vista daqui de cima
três andares
onde podemos
ser o que somos
– corpos

 

 

 

***

 

 

 

Juízo

 

Ande,
me dê sua mão
No bolso você
só encontra a mesma
nota dissonante.
Venha aqui
e tire a mão do bolso
O asfalto que cobre
esta estrada
é a coisa mais certa
a cumprir
Ande,
agora você
se equilibra
e a mão está
na cabeça

bem onde deve estar

 

 

 

***

 

 

 

Indigesto

 

Como um comprimido
engulo este dia.
De oito em oito horas
me lembro
não há remédio
a não ser comer
esta demora que a vida leva
pra curar uma dor
Meus dentes estão moles
como balas de goma
impossível mastigar
estes segundos

 

 

 

***

 

 

 

Ladrilhos

 

Que andasse
a procurar objetos de louça
e os levasse
no bolso do casaco
polidos
era coisa sabida

E que no opaco
armário de cozinha
depositasse
essas preciosidades
não podia evitar.

seus objetos de louça
seu cuidar que luzia com
o brilho seu
seus achados de cerâmica
sem importar
o formato

Que recolhesse
e juntasse
as partes de modo imperfeito
era o que fazia:

o fragmento de louça.

 

 

 

***

 

 

 

Urbanismo

 

Lá onde morava
não tinha margem
nem esquinas:
era inteiro.

E se à noite pensava
via estradas, cruzamentos
canteiros
e flutuava sobre
a cidade aberta
traçando com giz
(um a um) seus limites

delineava
zonas de silêncio.

 

Lilian Aquino nasceu em São Paulo em 1979. Publicou ”Pequenos afazeres domésticos”  (Patuá, 2011) e “Daqui” (Patuá, 2017), contemplado pela Bolsa ProAc de Criação Literária em 2015. Tem ainda poemas em diversas revistas impressas e virtuais e em antologias.

 

 

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1 comentário

  1. Bela concepção de texto. Verdadeiros objetos estéticos. Em cada um deles se a apreende a construção de sentido, criando um ritmo em que se desenvolve, levando-nos ao mesmo tempo a perceber o desenvolvimento que dele suscita. Subi e desci várias vezes o elevador.
    Um abraço,

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