Janela Poética I

Nuno Rau

 

 

Arte: Fao Carreira

 

 

NOTA MARGINAL 2.

 

A linha sinuosa do amor atravessou sua pele
e você,
noite sem luz, todo por dentro um escuro sem tamanho,
não pode perceber em que parte do corpo foi escavado este caminho estreito e suas margens difusas.
Fora, há dia e as manhãs se repetem encadeadas
quando luzem sobre a linha que se afasta e inauguram outros territórios, acolhendo peregrinos  pelo que se segue, curso aberto.
O tempo atrapalhou-se no seu fluxo e lhe ancorou a este entreposto,
presente que nunca se afasta:
os propósitos desencontrados são projéteis contra a pedra à sua frente
e agora sim, agora é o meio do caminho,
você está no meio, mesmo que algo lhe diga,
qualquer coisa lhe diga
que não seja assim.

 

 

***

 

 

NOTA MARGINAL 66.

 

Não há mais rosa ou girassol. Para um outro
jardim deslocado, o aroma da pétala
ainda paira no ar rarefeito.
Seca, a terra – entregue à solidão de uns astros
que nunca respondem – agarra-se ao espinho
e o emoldura: dele é que faz a pena
e risca em si, como se tatuasse auroras na agonia,
uns versos, íntimos
do espanto.

 

 

***

 

 

FALADO

 

não deu pra fazer o retrato falado do mundo, meu amor

retirando as escamas da imaginação (repara o brilho
de prata, fugidio, antes de mergulhar
na sombra, sem a menor possibilidade
de sonho) sobrou esta substância
informe, espessa e sem mágica
que a gente depois pendura em ganchos
nos incêndios sucessivos (onde quem se queima
somos nós) das palavras.

 

 

(Nuno Rau é poeta, letrista, carioca e leitor. Bloga em As Musas Pós-Modernas.  Email: nuno.rau@gmail.com)

 

 

 

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2 Comentários

  1. Poemas muito bons, daqueles que pedem uma releitura e é quando se mostram melhores. Quando isso acontece, eu digo: uau! Valeu,poeta!

  2. Muito obrigado, Basilina. Fico feliz por meus versos terem falado algo pra você. Um abraço!

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