Janela Poética II

Heitor Brasileiro Filho

 

 

Foto: Silvio Crisóstomo

 

 

 

A OUTRA FACE

 

A poesia não aceita algemas
nem acredita em bombas
……………..de efeito moral

madona ou doidivanas
a espada de Dâmocles
madrasta humana

tremula o horror
nos lábios de uma menina
tremula o horror
na face de uma criança

no lado acordado peito
tremula uma flâmula
tremula uma bandeira
no quintal da infância

no lado açodado do peito
tremula um fleuma
e mais que infla o inflama

novamente o arbítrio
a tutela – cinco dedos
tatuados na cara
e os chutes na canela

colar de medos
adorna o tornozelo
os guizos no esqueleto
pedem ao novo ilustre
um lustre na caveira
limpem as botas pois
os novos soldados

aonde vai a insensatez
essa bala de borracha
se o espaço é infinito
e o átomo está dividido?

está dividido o homem
o peito está dividido
e o coração endividado
despe-se em inexato leito

madona ou doidivanas
a espada de Dâmocles
madrasta humana

a poesia não aceita algemas
nem acredita em bombas
……………..de efeito moral

 

 

***

 

 

SOLUÇO SÍSMICO

 

Farto é o fogo
dos vulcões
julgados extintos

soluço sísmico
na contração do parto

pende um quadro
trêmulo
na parede do útero

Sem a distorção
da moldura
arde uma tela
de Cícero Matos:

deserto
a ser florido
rio morto
a ser aguado

Jacobina
não é apenas um retrato
na parede

um berço
a ser embalado

 

 

***

 

 

A TIBIEZ DA PAISAGEM

 

Eles estiveram aqui
trouxeram antiga mala
……………em espécie
…….sob auspícios
de Pandora

foram afáveis
com a minha mulher
e acariciaram
a fronte do meu filho

eles estiveram aqui
com uma grande mala
abriram seu coração
com cédulas perfumadas

– fixaram uma etiqueta –

tinham dentes retocáveis
como um sorriso de Hollywood
& tinham olhos comovidos
com a tibiez da paisagem

dóceis
……..porta-vozes
………………….do agouro

um dia estiveram aqui
& diante dos seus olhos
abrimos aquela grande mala

incrédulos: todos os pássaros
foram libertados
como borboletas em chamas

 

 

***

 

 

HARAKIRI

 

todas as manhãs
afia a lâmina
de matar o tédio

tira-a da têmpora

– aonde
..a forja arde –

e divide a tâmara

essa lâmina
……………luminar

eletricidade
…………..e nuvem

não a porta
………mas
a comporta

………. não a porta
………. mas
………. a transporta

na baínha da alma
na cerzida
….bainha da alma

essa lâmina
fotossintática
………tética

para
……enfim
………….guardá-la

entre pétalas
na floração do umbigo

 

 

(Heitor Brasileiro Filho é ensaísta, cronista e poeta. Natural de Jacobina, Bahia, reside em Ilhéus desde 1994. Licenciado em Letras, é pós-graduado em Estudos Comparativos em Literaturas de Língua Portuguesa. Integra os livros “Diálogos: Panorama da Nova Poesia Grapiúna” (Editus – Via Litterarum); “O Triunfo de Sosígenes Costa” (ensaio – Editus UESC-UEFS), e “Bahia de todas as letras” (conto – Editus – Via Litterarum). Acaba de lançar o livro de poemas “O Chão & A Nuvem” (Editora Mondrongo – 2013))

 

 

 

 

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