Assis Freitas
Sob a fina caligrafia de um blues
quem não se sabe dor
é matéria rara
se achegam os espinhos
das rosas do caminho
acodem os açoites
do limo de tanta noite
quem não se sabe dor
é matéria rara
assim se percebem olhos
no avesso das lâminas
como mancha, nódoa
quem vive cego em anelos
***
Suíte burlesca para um diálogo com a ausência
foste tu nesta distância de muitos quilômetros
a ilha, a quimera, o oásis, pasárgada dos dias
a cotovia desavisada que insinuou a primavera
foste tu que me impuseste silêncio e ausência
nesta seara de corpo que se move em frêmitos
no olho arredio que já se despediu das estrelas
foste tu, este eterno assovio em minhas retinas
a mão que agitou o delicado trovão da espera
***
Nenhum silêncio vaza do relâmpago
Tudo se perde neste ermo
Neste tecido de linguagem
Nada se fixa nas retinas
Nem o ar soprado do lábio
Espaço sem memória
Flecha solta em extravio
Até teu nome se apagou
Na tez da lâmina, por um fio
Tudo se perde neste ermo
O caminho da nuvem em líquen
A consagração do fogo e do cravo
Este turbilhão que emana do raio
p.s. “Sei que estou vivo
entre dois parênteses”
***
Sobre a tessitura do sonho e outros desalinhos
havia que tecer a palavra
ainda que fosse a última
e nela contivesse o sumo
a essência que foi estrada
havia que tecer a palavra
mesmo que fosse desatino
e nela contivesse o âmago
frio caos: único e palpável
***
Ária para voo de asa breve
mergulha o silêncio
em meus olhos
e liberta a alma
do pássaro que
se interroga
em minha mão
***
Berceuse de náufrago para refúgio de temporal
dos olhos quero a dobradura do pranto
o mar desavisado a banhar-me o canto
do peito perquiro naus e refúgio de vela
o feitiço de cordas rugindo em rebuliço
do coração nada posso intuir em prece
há o desvão de sílabas em passo célere
***
Improviso para lâminas, pedras e oboés
afio nas pedras minhas retinas
fio por fio a coser melancolias
e o fino tecido a que me alinho
flui na imensidão devagarinho
colho nos olhos rios de algaravia
do aturdido caminho sem utopia
(José de Assis Freitas Filho é poeta, escritor, sociólogo e mestre em Letras (UFBA), nasceu e mora na cidade de Feira de Santana-Ba). Em 1998, publicou o livro de contos O Mapa da Cidade, pela Coleção Flor de Mandacaru do MAC de Feira de Santana. Em 2009, lançou o livro de contos O Ulisses no supermercado como prêmio do concurso CDL de Literatura de Feira de Santana. Em 2012, publicou O ano que Fidel foi excomungado pela Editora Penalux. Lançou, em janeiro de 2013, o livro Poemas de urgência para súbitos desalinhos pela Editora Multifoco. Edita os blogs: Mil e um poemas e Árvore da poesia)
muito grato por estar aqui, gracias
Meu amigo, que bom te ver aqui.Tu és essa poesia toda. Parabéns!
Maravilhosos! Parabéns, poeta
Parabéns! Está uma beleza!