Ricardo Paião
Drama-
tis personæ — mão — inversos toupeiros sem corpo — zuze — varanda aqui ao lado — Solitude Alfa — couraças múltiplas da insónia
27’6—2014
A
mão estende se abertamente, es-
tende-se na plenitude dos cinco dedos desocupadíssimos d’objeto,
estende-se a tatear com muita força o vazio inteiro, estende-se
enquant’as falangetas fremindo acerca de superfície nenhuma.
Perfeita ausência de texturas. Perfeita ausência de queimaduras.
A
mão estende-se abertamente, es-
tende-se a idealizar afagos no amplo dorso
do indomável nada.
31’12—2014
De-
monstrar
que as virilidades funcionam num modo subterrâneo
que as asas são escavando o vento
que as nuvens consistem no cérebro
d’inversos toupeiros sem corpo.
—
De-
monstrar
as profundas galerias do surdo olvido sideral
onde os cânticos se abortam
eternamente.
—
De-
monstrar
o interior do peito
o bunker do coração.
[3] 19’1—2015
Chamava-se
zuze simplesmente zuze
—
um raio de nome
tão fácil
tão onomatopeico — insetí-
fero.
Chamava-se
zuze simplesmente zuze
—
e na sua extrema gula cumpriu de-
vorar cidades inteiras.
[3] 27’1—2015
receando o inestético
Quão
luminosa a manhã.
Na
varanda aqui ao lado
uma abundância de cuecas estendidas
a querer ridicularizar-me o poema.
[4] 10’3—2015
Solitude Alfa
De
que vale alguém como eu rascunhando Solitude-Alfa passageiramente na muita azáfama de um caderníssimo diário oh perguntinha filhadaputa cuja resposta sabe-se lá. Nunca alcanço as importâncias daquilo que escrevo.
[4] 13’3—2015
Con-
juntura de
pálpebras sobre pálpebras sobre
pálpebras
couraças múltiplas
da insónia
ou arremessos de fosforescência
contra o noturno estuque
situacional.
É
como que o próprio quarto a regurgitar-me
nunca saberei
dizê-lo de outro modo
que resulte menos sísmico.
Os
meus cobertores
num vértice de tudo e de nada.
Ricardo Paião Oliveira nasceu a 23 de maio de 1983 em Lisboa.
belos poemas… em especial o “receando o inestético”… abraços