Janela Poética II

Kleber Lima

 

Valéria Simões

Foto: Valéria Simões

 

Que resvala de você
sem deixar rastros
que não compactua com o cotidiano –
a música inexecutável
a promessa inexequível
a víscera mais escondida
incutida no hálito de café e cigarro

Que não te nomeia
os muitos braços e pernas e bocas e gritos
aquilo que às vezes se traduz em lágrimas
algo embaçado que te fixa o olhar
num dia comum de semana

Que foge e te retém
enquanto você ri e sangra
e me olha
e me abraça
[já são tantos lenços ensanguentados]
ato-me a moldes fugazes
da tua alma inestancável.

 

 

 

***

 

 

Toda vez que for escrever
colocar ao lado este porrete

bater à toa
de olhos vendados
como o choque dum corpo no mar
à deriva

Toda vez que for escrever
bater forte
como aquilo que abriu minha cabeça
outro dia

uma pancadaria
cujo barulho
infernal
é tanto maior silencia.

 

 

 

***

 

 

 

Verhoeveniana II

 
Despi uma estação indomada
com protuberâncias de infinito na pele
e afora as violentas mordidas
a desintegração dos átomos da boca
as bifurcações luminosas das nádegas
as secreções nervosas como piche quente
o consentimento convulsivo
dos dedos entrelaçados
era mais um episódio
de um peito escavacado
pelo amor.

 

 

 

***

 

 

 
Por onde tua presença me chega
não sei
uma música incrustada na parede
dos ouvidos
um país arrancado de algum autorretrato

Não sei mesmo dos teus
passos mordidas
violentas insolações
não sei como cospe
leopardos sanguíneos em meu peito
nem de como em minhas virilhas
maçãs podres acumulam à revelia

De toda febre
em meus pelos
teu rosto muito forte
se contrai em arpões
rixas taras arrepios
vermelhos
líquidos magmáticos
pássaros coagulados
trepidando na ponta dos dedos.

 

 

 
***

 

 

 
Abertura para um sol em tuas costas
um pomar na ponta dos teus dedos
tua cútis uma música sibila arrepios
a boca transeunte trespassada de águas
as palavras ardendo em silêncio eriçadas
motim de dilúvios enluarados lábios
assento de frêmitos olhando atônitos
teu rosto esta costura em meu coração
assediado por minhas vísceras famintas.

 

Kleber Lima. Teresina. 1984. Escreve no blog Apontando para mim.

 

 

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1 comentário

  1. Poesia forte e muito bem construída me ofereceu momentos de grande emoção.
    Parabéns!.

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