Janela Poética II

Hanna Halm

 

Re

Desenho: Re

 

Vão

 

Fecham-se em tamanhos miúdos
caixas de desgraça e poeira, rotas claves
do passado em pausa.
Lágrimas marcadas no negativo da fotografia,
São as dúzias de brincos perdidos em festas
como a fase terminal da doença
Embrulham-se em milhas de pacotes nunca postados
elásticos apodrecidos
Brilham como cacos remendados
no espelho escuro pelos fungos da casa vazia
e pastos inteiros incendiados.
É morte gratuita, sujeira presa
nos olhos do vento, desvairado.
Falta lei e proteção devida às unhas que sangram…
o dinheiro corre as ladeiras da rua
como o pó caído de um cinzeiro.
Fica a pólvora do armamento esquecido nos arquivos.
Punhos fecham-se em tamanhos miúdos
sem direito de guardar escolhas em armários de aço
nem se podem levantar por covardia
a exemplo dos homens que escrevem mudos
sobre suas mesinhas demasiadamente limpas
da liberdade moderna. Do sonho popular
calados diante o som oco que se faz
nas palmas das secas mãos
presas pelo descuido dos símbolos de perda
e das músicas jamais tocadas nas rádios.
Fecham-se em tamanhos miúdos
são como as línguas soldadas ao céu
das bocas frias e incapazes
Escondem-se pelas calças de bolsos fundos
e se alcançam, por uma estranha ventura, as lâmpadas
que pendem nos postes de cada espasmo necessário
às bambas pernas, petrificam-se na recordação do músculo
como um tumor gerado no infinito.

 

 
***

 

 
Cabide

 

depois de tanto morder meus olhos e
proteger os pés da minha frieza,
falava de mim feito fantasma
envenenada em seus próprios dentes
na escuridão dos seus dias
completos, ricos de palavras
incompreensíveis.

e corria estórias
pelas esquinas,
estrofes e gargalhada
em vão, batuques
nas panelas de casa

como fazia crer
falava de mim
e ouviam os desconhecidos
doenças anciãs de minha carne
dita suja
odiosa
carne

falava de mim
sorrateira como o trigo ao vento e
sufocada em meu seio
cuspia bolas de pelo roto

seca

falava de mim, rouca
invalida pelas garras de
um carma inventado

nua
exausta
falava de mim.

 

 
***

 

 
Ramal Japeri

 

se tão cedo sou massa
me aquieto
no canto que me cabe
em trilho reto sigo
curvo meu caminho ao
ganha pouco, pão
indigno dos dias tantos

ossos gemem,
estalam pobres
a febre embalada a
vácuo.

finda a tarde, gado
me atiro à não-vaga e
com menos pressa chego
a casa, permito graça a noite
já se afasta prum dia

aplico
a favor de mim e meu bem
sonhos órfãos
surreais
a posição que me
agride o trem.

 

 
***

 

 

Deixem abertos os meus olhos

 

deixem abertos os meus olhos, e
sobre o meu peito
feche minha mão
como uma cuia a espera de
lágrimas repreendidas.
compreenda minha altura,
metragem antiquada de índia
(misto de sangue e confusão)
calce-me com botas moles
gastas pelo couro judiado
que andei a vida.
quero sussurros de adeus
ditos ao pé do ouvido surdo
quero meus cabelos penteados
com a calma da escrita
e minha camisa branca
de botões e gola livres
casando minha
íris fosca,
seca feito a boca
que se há de morder.
não hei de perder no breu
tal antropofagia
declarada no berço
que cedo me deitei
e retorno em perímetro maior
para até onde dura
a poeira na vista
que agreguei durante os dias.

 

 
***

 

 
Clandestina

 

sim. eu quero ficar
o refúgio nesse caos é a sua própria construção
não pretendo descolar a marca úmida
a entrega da sua pele a minha estadia
pode ser que encontre num terreno impróprio
mas nunca em rotas paralelas da vida
um termo entre o meio e a desgraça
nesse labirinto estreito
de estar sempre respirando as tuas sobras
em copinhos de café expresso no corredor escuro
e manhãs corridas para não ser vista
passo os moveis estalam junto minha coluna
dolorida, a calma já não parece alternativa
se desço de carros apressada e deito
sobre lençóis a serem trocados
sem força para desvendar o koyosegi do nosso futuro
adoeço pretensiosamente ao escovar os dentes
e ouvir conversas de uma voz e meia
em silêncio morro um pouco a cada racionado toque
mas morro esquecida no espelho do armário do banheiro
ao provar a pasta de menta
e saber de ti em outro quarto
arquétipo que não me cabe, reconheço
meu espaço entre as quinas da caixa
sufoco toda vez em minha permanência

 

 
***

 

 
Sexta-feira

 

perdi as contas dos telefonemas
você dizendo que viria ao meio
dia de mala e cuia
pra bater na porta e me chamar
exclusivo, único
as unhas arranhando a madeira
cantareira batucando o
tempo que levo apressado
do sofá da sala ao armário
da cozinha onde deixei
a cópia das chaves
que já eram tuas
faz mais de um mês
fiz na esquina de casa
acompanhando a maquinha
compor pra você o poder
de entrar quando quiser
pantograficamente
sem ser chamado
mas vi tantos sois a pino
quanto pude enfrentar
a superfície lunar
trezentos e oitenta e quatro mil
quatrocentos e três quilômetros de
distância pro nó de nossas pernas
sobre a cama descoberta
ainda assim contei minutos
chequei as pilhas do relógio
voltei a vestir minha camisa
de dormir e liguei
a tv no canal nove
a mesma coisa, desimportância
inquietação interna
a extravasão das pálpebras
conta-gotas no travesseiro
fronha branquinha que troquei cedo
de manhã, os pombos batem na janela
arrulham a pior música para a
reforma que não programei,
mudei armário de lugar
aquela mesinha fica no canto, agora
mas talvez eu jogue fora,
ocupar a cabeça é difícil – o que houve?
até te comprei sobremesa
mais uma vez – pra
preencher a geladeira e
colecionar embalagens de papel – choveu forte
tive problemas com o carro
o pagamento não caiu na conta
não tive folga
tá uma confusão, chegando aí te conto – sim…
mas quando você vem?
eu espero.

 

Hanna Halm (1993) é poeta, musicista e historiadora nascida em Queimados, Rio de Janeiro. Participa do coletivo de publicações independentes Drunken Butterfly e do selo fonográfico fluminense Efusiva. Tem poemas publicados no blog Poema Diário, no jornal Plástico Bolha e na revista eletrônica Avenida Sul.

 

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