Janela Poética II

Lucas Rolim

 

Foto: Antonio Paim

 

desejo rupestre

 
um desejo rupestre
viaja no fio vermelho do corpo,
em seu zodíaco de sigilos luminosos,
na fauna barulhenta dos cabelos.
decifra a linguagem dos sinais
por meio de sílabas incendiárias.
amanhece um artefato do amor
na confusão da matéria.

um desejo rupestre
assume as formas de um abraço
& demora um pouco mais;
descobre o endereço da ternura
& trocam cartas de fogo;
retorna ao silêncio onde habita
& desarruma o tédio da casa.
ordena lembranças com o som
de um gemido.

 

 

 
***

 

 

 
visão do infinito

 

 

vejo o terrível corpo de alguém que não conheço
deitado na terna música das pedras – no som arfante do lodo
na severa melodia dos alísios

um terrível corpo – paisagem antrópica na película vegetal

a dança estarrecida dos sóis sobre o ventre negro
meus pequenos sonhos loucos na manhã carnívora
– as primeiras vibrações da ternura mais remota

gestos de um rito diário – adorno cinético da antiga alquimia

deslizo pelo túnel das costelas – pela ferrovia óssea da noite
meus olhos chovem na dureza de uma nuvem torácica
cruzo as cicatrizes no campo risonho da memória

agora rasgar a plumagem opaca dos segredos
descer ao recôndito maquinário das corridas & chutes
fazer girar a doce roda das vontades à mercê de um abismo azul

a visão é um sentido egoísta – o tato é um garoto obsessivo

desemboco na roupa das vísceras & entoo a litania do amor
contemplo nos fragmentos de nudez a visão do infinito

 

 

 

***

 

 

 

lições sobre o silêncio

 

para Demetrios Galvão

o poeta me disse

que o silêncio é uma lição valiosa.
que na pressa do mundo não cabe a poesia
& que a natureza tem múltiplos disfarces,
mas um único gesto para a liberdade das aves.

o poeta me disse

que este mundo anda viciado nas próprias sombras.
que a língua dos homens é uma lâmina de ódio
& que da areia que cobre os sentidos
brota uma paisagem arcaica de cactos raivosos.

o poeta me disse

que um dia também cultivou na pressa sua voz,
mas um calendário de vazios o puxou pelos cabelos
& lhe mostrou que nas pedras do caminho
habitavam ensinamentos perdidos.

o poeta me disse

que o ato da paciência evita golpes imprecisos.
que é pela visão que a sabedoria primeiro se achega
& que o peso do voo é mais leve que a pena
que empluma o olho do vidente em seu sonho.

o poeta me ensinou

que na peregrinação há riscos muito maiores,
mas que somente assim é possível aprender o tempo
& voltar-se mais vivo à bagagem de afetos.

 

 

 

***

 

 

 
wake up, mr. L!

acompanhado de John Cage

 

 

quando despir-se o místico por trás dos muros,
haverá uma turba de segredos aguardando passagem.
não existem falsas proposições. é preciso um ato ligeiro.

atravessar o ciclo dos vinte:
reencontrar infâncias num artefato muito antigo.

arrastar as cortinas da tarde:
enfrentar o pandemônio das ordens com Lentidão.

visito um oráculo asteca à procura de desvios na memória.
(devoro presságios para esquecer do futuro)
 

 

 

 
***

 

 

 

pelas cercanias

 

 

desiludidos,

cruzavam a espera
levando um mapa de ausências,
uma distância inquieta.

ruínas
e compulsões revisitadas.
desertos povoados novamente.

(as trilhas guiavam
a antigos hedonismos)

eles herdavam o sigilo
de seus quartos e recordavam
conversas aflitas.

em seus corpos
ardia a inscrição da noite:
os piores dos cegos. os piores dos cegos.

era tempo de saber
o paradeiro da angústia
e abrigar-se no conforto das conchas.

tempo de habitar
silêncios.

 

Lucas Rolim é poeta e fez algumas traduções. Nasceu em Teresina, onde habita e é habitado. Membro do coletivo “Tensão, Tesão & Criação” com o qual espalha a palavra poética pela cidade. É autor dos zines de poesia “Tetrapoemas” (três volumes, 2015), “Esquizofrenia” (2015), “No Panorama do Tempo o Menino se Alarga” (2016) e “Mr. Mojo Risin’” (tradução, 2016). Tem poemas publicados na coletânea “Baião de Todos” (fundapi, 2ª ed., 2016). Edita desde julho de 2016 o zine “Besouro”, em parceria com o poeta Demetrios Galvão.

 

 

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1 comentário

  1. fico feliz com a publicação! que a chama da poesia arda sempre em nossos corações! salve, salve!

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