Fábio Pessanha
Caía.
Transpunha a solidez
dos fatos para a solidão
dos fetos.
Bati em retirada
ao ter cobertos os cílios
pela força dos ventos. Nunca cheguei
ao destino. Meus olhos extraviavam
o peso…….largo…….da..expectativa.
***
meus ombros emigram de mim para os pássaros
Manoel de Barros – Poesias (1947)
meus ombros transitam. partem
de mim à procura de pássaros, cujo voo
leva o vento nas costas e o dorso
se erguia forte frente ao contraponto
da velocidade. na trajetória das asas,
perdia-se o rumo das coisas e só restava
o que pendia do espaço entre o pescoço
e o resto do corpo.
os ombros estão presos
ao futuro dos pássaros,
são indícios
para o mergulho dos homens
na envergadura dos braços.
***
o que de mim se vê perde-se
nos estilhaços do meu nome
uma teoria acústica se erige
pela subjetividade sonora
da palavra que nunca serei
mas os retalhos recobram
a difração do eu atado
à imagem muscular
nascida do encontro entre a voz
e o estrondo mudo dos tecidos
***
e se de repente
se repetisse
o gesto não
como uma agonia
acostumada,
mas somente aquela
pontada
aguda que segue o ritmo
inalcançável das flores?
o tempo indigno
das mãos deita sobre
a face desconhecida
do espelho. a imagem
ali nascida observa
tudo que se reflete
e vê
na repetição ardida
dos olhos
o ineditismo perdido
das rugas.
quisera eu ter mais tempo
para me jogar naquela piscina
azulejada que forma uma linha
côncava perpendicular
ao espelho imperfeito da água
e assim surpreender
.meus mergulhos.
***
toco o muro. nele,
digitais encrespadas
pela sílica,
pelo cimento,
pelo tempo
que comeu a superfície chapiscada
em lances rápidos de movimentos
ensolarados.
cai a chuva.
tudo que é vivo se molha.
achei pensamentos
suspensos pelo carro
que passava em alta
velocidade e lançava
contra o muro minhas
mãos encorpadas d’água.
a chuva molhava
a rua e o movimento
rápido dos pés,
dos pneus.
não sei o que fazer
quando retirarem minhas mãos
do muro. ficamos ligados
como meninos achados na chuva.
era uma simbiose,
quem sabe.
***
POESIA
tinha uma janela escancarada no meio das costas por ela se previa a quadrangular visão do que se infiltrava radiante POESIA ERA OS BRAÇOS SE ENVERGANDO ANTE A BRUTALIDADE SURDA DOS VENTOS havia um fenômeno aquoso transbordando os olhos tudo era fluido e delirante nada se via pela secura das pálpebras POESIA ERA O ABRIGO DO ESCURO ENTORNANDO nas calçadas por onde andava colecionava a desorientação dos passos sempre encontrava chinelos trocados sempre eram mais calçados entulhados até o ponto de imprimir ansiedade nos adereços do chão POESIA ERA O QUE SE PERDIA tinha um POEMA escancarado no vão das costas tinha
POESIA
Fábio Pessanha é poeta, doutorando em Teoria Literária e mestre em Poética, ambos pela UFRJ. Publicou ensaios em periódicos sobre sua pesquisa atual, a respeito do sentido poético das palavras, partindo das obras de Manoel de Barros e Paulo Leminski. É autor do livro “A hermenêutica do mar” – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos e coorganizador do livro “Poética e Diálogo: Caminhos de Pensamento”, além de participar como ensaísta em outros livros.
Manoel de Barros diria que quando os pássaros tocam os homens, é de poesia que estão falando…
O tempo, o espelho, o menino na chuva…
Muito bom, poeta. ;~)
Obrigado, Solange!! Fico muito feliz com sua leitura e por partilhar seu carinho em palavras! Gratidão!!