Janela Poética II

 Diego Tardivo

 

 

Foto: Mercedes Lorenzo

 


 

CANÇÃO DOS MANJARES MÍSTICOS

 

Este pão que comes, meu filho,
Subjaz nos lábios da castidade
E nas terrinas úmidas do Amor –
Sem que para tanto necessitem
Os antigos escravos de sua míngua
De caridade e compaixão, tudo
Entrelaçado enquanto os corpos
Ausentam-se nos dias cáusticos.

Esta água que bebes, meu filho,
Refluía ao longo de músculos nus
E gotejava de calhas profanas como
O gorgolejar de luares no puro inferno –
É a insígnia da perfeita bonança
E a paz teria beijado o seio da guerra
Quando da unidade adâmica surgissem
Diamantes – adormecidos e lânguidos.

Esta arma que empunhas, meu filho,
É o brasão vil da mortandade oculta,
Dessas que se escondem em armários
E ainda assim permanecem fiéis à Musa.
Terrível dobre de infinito censurado,
Volvei, ó palidez, que a morte chega
Uivando à miséria hinos de beleza amarga
E barganhas prostradas na lama de fogo.

Este vinho que provas, meu filho,
Já havia embelezado as cabeleiras nuas
De pobres dançarinas cantando absurdos
Enquanto os poetas lamentam a alegria –
E continuará por muito tempo ainda
Sendo o espelho diante do qual figuram
Os sorrisos e as lágrimas que são precárias,
Os deleites e os êxtases que são tacanhos.

 

 

***

 

 

LEMBRANÇAS DO JAZZ

 

In memoriam Allen Ginsberg e Roberto Piva

 

Quantas imagens me acorriam em minhas febres de justiça!
Quantos uniformes pavoneando-se acima das folhas de cristal
& ainda quantos astros nus envolvidos na beberagem da tarde –
Eu não entendia por que a violência dos pederastas era temida,
Contos de Tchekov supurando nos bosques de amianto,
Lendas estraçalhadas na vívida vivissecção da realidade mais crassa,
Abóbora de ferro opinando sobre as dimensões de meu sexo
& eu continuo sendo inesquecível,
& eu continuo sendo imperdoável,
Sim, porque todas as danças me eram devidas a cada cena
& todos os profetas tinham seu sudário empoeirado e magro –
Candeeiro de emoções; lúgubre festa do quarto largo,
Eu me prostro, eu me persigno,
Eu me prosterno, eu me flagelo –
Ainda me cabem os amores que reneguei à custa de símbolos,
As imagens de oxigênio continuam em minha cama molhada,
Os barítonos da aurora jazem derreados nos catres de meus louvores,
A ladainha dos escravocratas morre ao contato das batalhas arredias
& tudo me foi revelado enquanto o dia corria entre minhas mãos –
Jamais saberei se minha alma é pura.
Jamais saberei se minha mente é sã.
Porque sou vil, a maldade se retorce em meus intestinos
& a morte que desconheço não me murmura sofreguidões;
Ah! Como lamento! Como lamento saber só agora
Dos corações que choram & dos cérebros que se enforcam,
Eu lamento, eu lamento ser esta serpente nojenta e traiçoeira
Sibilando e envenenando os acontecimentos do século,
Minhas quimeras são mais pérfidas do que o oceano
& santificados me acorriam os vagalumes néscios da Ventura;
Tudo quanto era meu regressou a meu Espírito
& no interior do enigma luminoso agitei as asas de minha angústia,
Porque todos os meus amigos zombavam de minha juventude
& todas as minhas namorada riam de minha promiscuidade,
Ó lampejos! Lembranças do jazz! –
Não me esqueço das notas que soaram para minha inocência,
Funesta exaltação dos sentidos encontrados no Silêncio
& último conhecimento absorvido pelas mentes embriagadas
…………………………………………………………………..{de minha geração.

 

 

(Diego Tardivo tem vinte e sete anos, nasceu e cresceu em Italva, interior do RJ. Começou a cursar Letras, mas largou no terceiro período. É casado e pai de um menino, Arthur – nome dado em homenagem ao poeta Arthur Rimbaud. É autor de cinco romances e três livros de poesia. Atualmente trabalha em dois livros: uma coleção de ensaios, que apenas começou a escrever, e uma coletânea com duas novelas intitulada “A Filosofia do Espírito”)

 

 

 

 

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