Janela Poética III

João Urubu

 

Foto: Silvio Crisóstomo

 

 

Efemérides do Desuso da Dor.

 

I

O que Mereço ou O que me Passo –

 

Eu tenho medo, confesso.
Juro que confesso meu medo
Meu medo
Meu medo é que se calem meus olhos.

Que meus olhos se calem o que há muito já não diz minha boca
Tenho medo que já não me caiba em meus olhos um mundo
Um mundo que em mim já é submerso, absorto.

Eles já calam as despedidas, meus olhos.
Outrora tão serenos, meus olhos cerrados, doídos.

Agora inertes trôpegos de uma maldade relutante
E uma saudade relutante
E eu não queria
Eu não queria que alguma coisa em mim
Como os olhos
Se tornasse finita.

Tudo é finito.
Desgostoso, admito o fato.
Tudo é finito aos olhos de Deus
E aos olhos do estômago.

Meus rins doem
E riem.

Meus olhos já nada
Nada em meus olhos
Pela tortura da dormente sensação de sofrimento por antecipação
Não sinto meus olhos.

E ao fim, que a eles pertence.
Que chegará sem que eu sinta.
Meus olhos morrerão no meio da minha preocupação medíocre
E eu não o saberei, mediocremente, justo por querer sabê-lo.

É justo.
Calar-se em meio disso é justo, é nobre.

Por isso falo, falo sem pensar, sem parar.
Ajo sem pensar, sem parar.
No fundo no fundo acho que o que eu quero é dessentir.
Por medo de provar do sabor de realidade que ludibrio.

E eu sinto tanto, sinto muito.
Sem sentir nada.

A vida é justa aos que a vivem plenamente.
E eu acho que nunca a vivi.

Minha vida é nada, minha poesia é nada.
Eu nunca vivi.
Tudo é falsidade, porque nem me permitir sentir, de forma íntegra, eu consigo.
Eu não sei ser íntegro aos olhos que falam.
Aos olhos que cantam
Aos olhos que cegam
Aos que cerram, à noite, em paz.
Os que cerram pra sempre.

Eu não mereço o olhar de nenhum cristão falso
Ou pederasta.

Matei meus olhos, sufocaram.
Sufocaram de tanta dor não sentida
Eu sinto um vazio no peito.
Eu sinto um vazio.
Vazio é vazio.
Vazio não se sente.

Assim eu adormeço, jurando pra mim mesmo que mereço outro dia.

Há sempre outro dia.

Há sempre outro dia

Há sempre outro dia

E é o que eu mereço.

 

 

***

 

 

IV
Lächeln und Verzweiflung –

Para Carla Diacov

 

Feita
Seleciono silenciosamente gritos
Sempiternos e silenciosos gritos
Ditos no oco de minha alma estática e muda
Onde já não há estática forma
De se dissimular verdade.

Que verdade o acaso me espera saber responder, corresponder, adivinhar?
Se não me caibo equilibrar para além dos poros qualquer tropeço
Se a minha carne trêmula veta a possibilidade dos tremores cardíacos.

-Os tremores cardíacos os quais calo-

Que razão desmensurada me propõe tamanho lirismo?
Que conveniência me propõe tamanho gozo?
Que proficiência assentida pressupõe-me?

Chega de dúvidas.
Ao descaber-me dessas, curvo-me ao escuro.
Que ameniza, juntamente aos cigarros.
-Os limitadores de afã- Cigarros.
Porque afã cansa
E eu me sinto cansada.
De espera.

O mirone da vida teimou em dizer-lhe:
Olha como falha, demente, ao que tanto anseia.
Viciada nas parvoíces do devir.
Viciada na espera.
A paixão já lhe descai naturalmente fugaz.

Sou o acúmulo dos sentimentos néscios.
Eu que me deixo lograr.
E digo assim complexamente, pois fujo.
Que não me permito perceber.

Licença poética das medidas provisórias…
É onde me arranjo, porque meu ganho nessa corja de ideal é quase nada.
Minha cara dada a tapa somente ao vento, que muito maliciosamente bagunça os meus cabelos.

Quisera eu, quem sabe, perceber metade de mim nessa realidade que criei por cima da pele.
Ah, titubeando pro nada a graça de um brado valoroso.
Como sou mesquinha
E leve.

Avessamente bem quista pelos extremos de mim mesma.
A revolução por dentro da pele
O apaziguamento para além dos poros.

Como quisera eu ser pra dentro
O que pra dentro eu queria fora.

 

 

(João Urubu é músico, poeta e compositor da cidade de Belém – PA, graduando de Licenciatura Plena em Letras com Habilitação na Língua Francesa pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Dos três anos como poeta e compositor, passou um ano especificamente trabalhando como compositor de trilhas e diretor musical de teatro)

 

 

 

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2 Comentários

  1. Aqui também as imagens são ricas nos dois poemas em que eu discursivo parece cantar as suas dores sem conhecer limites para extravasá-las.
    Abraços

  2. Fantástico! Deleite o primeiro poema “O que Mereço ou O que me Passo –”. O poeta conquistou uma leitora ávida.

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