Tatiana Druck
BICHO GEOGRÁFICO
Entrou no corpo do outro como larva
portando a bandeira da colonização
tomou o corpo
de refém
e andou
em chão batido
vias planas
vazias de ocupação
tateou
sem mãos nem tentáculos
arma ou carinho
escavou
levantando pele, entranhas
procurando planos
vasculhou
roupas, veias, papéis,
revirou enganos
em busca de explicação
para sua falta de caminho
***
MALDIÇÃO
Atreva-se a comandar o ritmo de um coração –
por maldição, entreva-se para sempre no corpo
uma batida simbólica espasmódica nostálgica
disforme sistólica atávica
e descompassada
***
MANDINGA
Depois de maldizer os santos
racionalizar os fatos
desfazer quebrantos
recolher as flores, apagar as velas
demolir o altar e o querubim
Segurei com firmeza meu próprio pulso
sem batimento
e com a fé que dispunha
rompi em prantos e sem testemunhas
a fitinha do senhor do bom-fim
A partir de agora, não creio nem em mim.
***
CÚMPLICE REFLEXO
O espelho atesta o que não dá para mudar:
o tempo, o prazo vencido,
o tônus que se foi
ônus da trajetória.
Sem julgamento,
o espelho mostra
a melhor versão da história
que Deus nos deu:
avisa o que está faltando,
arrola o que dá pro gasto,
ensina truques e esquemas
e anima antes da festa
com um ângulo de visão belo
ou uma viável distorção.
O espelho não faz trapaça
mas admite pactos:
como fiel escudeiro
esconde em segredo alguns traços
Assobia, disfarça, esfumaça,
mas não conta –
nem que o quebrem em cacos.
***
PARTILHA
Parto
em dois o que era nosso:
o pudim do almoço
os jornais da cesta
o cobertor de lã sobre o sofá
alguns cristais
Deixo
as contas decimais:
o calendário asteca da geladeira
uns quantos sermões
segredos viscerais
Pedaços inteiros de lembranças
não fracionais.
(Tatiana Druck é autora do livro de poesia “Par e Impar” (Ed. Mecenas, POA, 2010). Tem textos publicados em diversas antologias. Conquistou prêmios literários nacionais, entre eles, o 1º lugar em crônica no VIII Concurso Mário Quintana (2012) e o 1º lugar em poesia no XXVI Concurso Brasil dos Reis/RJ (2011). É advogada, mestre em Direito Privado pela UFRGS, tem 42 anos, vive em Porto Alegre)
Estive por aqui, Tati, como sempre o faço a cada Leva. E como fiquei alegre por encontrá-la e ao seu talento. Poemas talhados por mãos cuidadosas como se você os escrevesse com as mãos, pois as suponho finas, delicadas. A sua verve se derrama por inteiro mostrando mais uma vez sua ourivesaria com as palavras. Muito rara. Tirei o chapéu mais uma vez e não cansarei de estendê-lo sempre que encontrá-la aqui, ali, alhures.
O meu abraço, moça!