Janela Poética III

Stefanni Marion

 

Desenho: Bárbara Damas

 

 

consolidação

 

o balouçar dos tempos está rangendo
o escárnio surgindo frio pela manhã
dentre vogais que se misturam
nasce a doçura rasgando ingênua.
armadura ginasial nunca polida
dentre dissipados olhares se abrilhantam
sem rumo levando ao descobrimento
degelando essas sensações estupefatas
numa consolidação platônica dominante.

se eu tivesse um sonho
ele seria o pesadelo.
moeda em cobre fundido
no fundo da bolsa
nunca trouxe sorte.
se eu tivesse um pesadelo
um dia seria sonho.

 

 

***

 

 

entre minhas frestas

 

um tanto irritante
deitou-se no tapete da sala
sorvendo o cheiro da geladeira
precisando de limpeza.

um tanto amável
acendeu as velas
iluminando os poros
em meu corpo ácido.

um tanto irritante
reclamou das manchas
negras e antigas
no fundo da banheira.

sol nascente
um oriente
plantado feito arroz desnudo,
ficou irritando e doendo por dias,
guardado entre meus dentes
feito massinhas mastigadas
de bolachas japonesas.

 

 

***

 

 

flamejante

 

o início perde o rumo
quando lanço chamas
nesse abismo inflamado
em devaneios bucólicos
flamejantes feito ritos
sarcásticos esmorecendo
gota a gota no quintal.

o nariz?
o que é o nariz?
– sentença em riste
buscando amadurecimento.

 

 

***

 

 

temporário

 

os trilhos da cidade esperam
minha cheia sangria.
às sete da manhã
vem o primeiro trem
e sua sonora carga amarela
invade as ruas do arpoador.
desaparece nos trilhos,
evade meu pranto sem crenças
e volto pra vida com cheiro de morte
temporário.

 

 

***

 

 

sóbrio

 

arfar e sentir o drama inveterado
gota a gota retratando as lágrimas
sóbrias nessa madrugada mnemônica.
não nasci ou amadureci neste nevoeiro
entre discos e canções dos bandoleiros,
odeias tudo em mim e não sentes nada?
sem sol, lua ou cartolinas recortadas
para meus primeiros trabalhos escolares.
nessas madrugadas apenas vício e chamas
me afastam e não sou parte dos seus sonhos.
desconexo nessas pequenas noções de vida
sôfrega voltando a destruir tudo outra vez.
pai, não há mais lamparinas nos cômodos:
sou seu sexo violento sem revide,
a placenta que caiu e não alimentou
em seu nome e do filho que se fez.

 

 

(Stefanni Marion nasceu em 1981, no dia do aniversário de sua mãe e no meio do caminho entre cidades do litoral sul de São Paulo. Já se envolveu com teatro, cinema, curadoria artística, mas acabou rendendo-se ao encantamento pelos livros e graduando-se em Biblioteconomia. “Temporário” (Editora Patuá) é seu primeiro livro de poemas)

 

 

 

Clique para imprimir.

1 comentário

  1. Sóbrio e arrebata.

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *