Janela Poética III

Maria Quintans

 

Foto: Milena Palladino

 

 

É neste inferno que se mascara o poema. Um homem nu, duro de barba e porte e o silêncio esta humilhação só suportável pelo medo.

Irei guardar as nossas conversas num balde de luz. Saberemos sempre que a viagem é longa mas que a chamamos a nós. E a passagem ampliará a hora. Todas as horas desesperadas na quebra da negação.

Todos os silêncios são um só. E o leite há-de chegar a escorrer pelo copo cheio onde todos beberemos, indiferentes se gostamos, não gostamos, ou queremos.

E neste inferno a satisfação supõe um instante, um só instante ampliado pela vida encontrada sempre que o sofrimento cai de quatro em genuflexão obrigatória.

Do medo faremos o silêncio e nada responderemos às perguntas feitas à noite, em horas insensatas para os poemas que dormem.

O silêncio será sempre a longa transformação da palavra.

***

há uma sombra enorme na minha cabeça. uma coisa que depois de tudo não é nada mas que quando acontece é hoje. escava doido um alfinete dentro do peito a picar os teus mamilos  que se escondem no armário porque eu sou a minha mão no fundo do teu sofrimento.

há um desenho enorme na minha cabeça que vibra na renúncia da vontade e fala de sereias e de invernos estreitos num corpo a fugir à pressa selvagem, estrangulado numa alegria estúpida, cada vez mais isolada, agarrada à luz que tudo abre se pensarmos que o martírio dos olhos são os próprios olhos, distraídos pelas sombras que andam de um lado para o outro às cegas,

incertas e separadas de placentas-mãos, e pausas na respiração dos homens suaves.

há um caminho deserto na minha cabeça que roda sobre si e nunca compreende a voz que lhe amacia as grades da janela de onde nunca se vê o condenado, por ser ela própria a teia, a máscara – a mão entre a fúria e o amor a comer de pé as bocas enroladas na luxúria dos deuses analfabetos.

lá fora é apenas noite na sombra da minha cabeça.

 

***

os habitantes das árvores transformam-se em peixes
rebolam nas palavras com as antenas de fora e
seguem os gatos.
as flores amar-se-ão sempre
num voluptuoso lago crescido de flamingos-frangos

as formigas nunca poderão descer das árvores com o aquário por baixo.

os flamingos-frangos descansam numa pata e os outros bichos olham-se numa teimosia danada.
é um problema sem solução.

 

 

***

Poema como se fosse tudo

esta é a metafísica saturada do sonho:

não dizer nada

dormir com o cão enrolado à pele

rasgar no desejo o fôlego do poema

 

afundar de ironia a almofada do silêncio.

 

 

(Maria Quintans é escritora em Lisboa, Portugal. Publicou em 2008 o livro de poemas “Apoplexia da Ideia”; em 2010 “Chama-me Constança” e em 2013 “O Silêncio” (Editora Hariemuj).Em 2009 faz parte da criação da Revista Inútil, onde é diretora editorial. Em 2011 cria a Editora Hariemuj, que se dedica especialmente à poesia. Organiza, em 2012, a antologia poética “Meditações sobre o Fim – Os últimos poemas” (Hariemuj Editora))

 

 

 

 

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