Drops da Sétima Arte

Por Larissa Mendes

 

Ela (Her). EUA. 2013.

 

“O passado é só uma história que nos contamos”.

 

No poema Não Deixe, o escritor Charles Bukowski adverte:

‘Não deixe as pessoas serem
seu alicerce.
(…)
Elas são uma aposta ruim,
a pior aposta que você pode fazer.
(…)
Qualquer coisa
comparada às pessoas,
é um alicerce melhor a se procurar.
Qualquer coisa’.

Influenciado ou não pelo conselho do velho safado, o homem tem procurado na tecnologia seu firmamento. São jogos, gadgets, aplicativos. Redes sociais que, ao clonar nossa melhor versão, expõem nossas maiores fragilidades. É da mente fecunda do cineasta Spike Jonze – responsável por obras como Quero Ser John Malkovich (1999) e Adaptação (2002) – que surge um dos mais instigantes filmes sobre a era digital. Com estreia prevista nas salas brasileiras no próximo dia 14 de fevereiro, Ela analisa de maneira bastante peculiar a mecânica das relações humanas estabelecidas a partir dos avanços tecnológicos.

Em uma futurista Los Angeles retrô, Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) é um introspectivo escritor que trabalha na agência “cartasescritasamao.com”, redigindo correspondências de pessoas com dificuldade em expressar seus sentimentos. Separado da esposa Catherine (Rooney Mara) há quase um ano, ele ainda se culpa pelo que possa ter minado a relação com seu amor de adolescência. Certo dia, movido por curiosidade e carência, Theodore adquire um revolucionário sistema operacional com inteligência artificial, cuja tecnologia permite que o software evolua e se adapte conforme sua interação com seres humanos. O OS1 apresenta-se como “uma consciência que promete ouvir, entender e conhecer” seu operador.

E assim nasce sua relação com Samantha (Scarlett Johansson), uma entidade intuitiva de voz suave, espirituosa e inteligente (quem mais conseguiria ler um livro ou compor uma canção em frações de segundos?) que se encanta com o mundo e faz com que o autor recupere seu entusiasmo pela vida. Tal encantamento transforma-se no mais legítimo afeto. Porém, estabelecer uma relação amorosa com “alguém” tecnicamente perfeito e ao mesmo tempo limitado pela ausência de um corpo físico, é de fato criar um vínculo real?

 

Theodore (Joaquin Phoenix) em seu contato inicial com o OS1

 

A delicadeza com que o diretor trata o assunto e a sintonia entre “o casal” é tão grande que em nenhum momento Theodore soa bizarro por apaixonar-se por uma máquina. Ao contrário, a impressão é que qualquer um poderia ser cativado pela voz (e é somente este seu recurso cênico) de Scarlett Johansson. Aliás, como diria a vizinha Amy (Amy Adams) em determinado ponto: “qualquer pessoa que se apaixone é uma aberração”. Escrito e dirigido por Spike Jonze e vencedor do Globo de Ouro como Melhor Roteiro, Ela concorre ao Oscar 2014 em cinco categorias: Melhor Filme, Roteiro Original, Trilha Sonora (executada pela banda canadense Arcade Fire), Canção Original (The Moon Song, composta por Karen O, do Yeah Yeah Yeahs e interpretada pela própria Scarlett, acompanhada por Joaquin no ukulele) e Direção de Arte.

Apesar da atmosfera científico-ficcional e da crítica ao cativeiro tecnológico do qual o homem se faz refém, Ela foge do lugar-comum para contar uma história genuinamente de amor. O filme apresenta um romance em seu estado mais puro e com toda a complexidade que o sentimento compreende. Sensível até em sua paleta de cores, o longa alia de forma genial passado e futuro, confrontando uma das mais primitivas formas de comunicação – a carta – com o que há de mais avançado em um computador. Certamente Samantha seria a destinatária da mais bela carta de amor já publicada por Theodore. E quanto ao poema de Bukowski, um adendo: Não deixe… de assistir esta pequena obra-prima do século XXI.

 

 

 

 

Larissa Mendes também quer um OS1 para chamá-lo de Him.

 

 

 

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1 comentário

  1. Adorei!!! Já tinha lido algo sobre… mas agora me deu mais vontade de assistir!!!!

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