Juliana Amato
trilha sonora
Liszt
por Gyorgy Sandor
minha velha amiga, estamos em 1946
agradeço sem palavras sua aparição
a lembrança do meu nome
agradeço as gravatas
as admiráveis gravatas e lamento
a sua ausência
aqui tudo vai intranquilo
mas me acalma o instante
ver sua alma disposta
ao vento que passa
(sua alma
nebulosa)
é verão na borda do atlântico
faz sol e mar mas não podemos
não, não podemos agora
***
hace um año que te fuiste
tan pronto irás, una vez más
neste exato momento me vejo num quarto
fechado
frestas abertas, a janela
você ainda criança atrás da cortina
observa
você, observo seu olhar
compreende:
não existe mãe no brasil
não existe casa, essa casa, aqui
lá
há o futuro e há tudo
há milhares de rochas
pedras pontiagudas
traiçoeiras
pensa na sua casa
sua casa tão longe, aqui,
uma pedra quente
e lisa
***
de M. para F.
inverno, 2011
assim recomeço depois da demora
culpa do A aberto
do caos, da casa
do novo fôlego
continuo longe as roupas estão
no devido lugar
(é possível sim dividir com
estranhos, e sonhos, oui)
no vagar, nunca fui a porto alegre
sequer ao porto
mas às montanhas
ao novo ano
ao branco puro aos amigos fui
à irremediável fronteira
da língua:
randonné significa
escalar a neve
descobri a 2 mil metros do chão
e alguma ideia na cabeça
para um papel
DEZANOTAÇÕES SOBRE A POESIA
assim recomeço, me perdi
vi Baudelaire milimétrico, construído
pela primeira vez
pois bem há os que ganham
por pontos
os de nocaute
e os momentos amargos
que já passei
projetos poéticos passam a perna
p-p-p-p
o projeto poético, um enganador
eu, um muito menor (debutante
no auge da hysteria – saltinhos)
um projétil, nenhum rimbaud
nem meio rilke
muita potência, pouca questão
as solas dos pés ardem no chão
os olhos não estão prontos
para rever
o resto desse que se vai
fica e lança um abraço
demasiado
apertado
***
DE V PARA M
saudade
é você
fumando pela sala
e falando espanhol
tudo errado
***
: )
saudades da nossa voz jovem
há meses por aí e eu aqui
é mais difícil pensar em você agora:
você, difuso, seu corpo, eu e você
não lembro
mas lembro
como era fácil
como era possível
como eram as noites
as manhãs enfim
bom saber, você ainda existe
e sabe que eu existo
à nossa maneira
é tão bom saber:
você ainda existe
que mando lembranças
e espero que goste
Juliana Amato é paulista. Edita, traduz, revisa e escreve. Publicou em sites, coletâneas de contos, de poemas, de traduções – reais e virtuais. Tem muitos projetos que ainda não saíram dos planos, mas entre os que já existem estão: Brevida (EDITH, 2011), diário aleatório – site/livro em parceria com Thany Sanches e JEZEBEL, ilustrado por Mariana Coan, integrando o projeto Boca Santa. Os poemas selecionados fazem parte de correspondência, seu primeiro livro de poesia, a ser lançado em agosto pelo selo Poesia Menor. Escreve há algum tempo no microclima, que está um pouco abandonado, mas pretende renascer dos escombros.
Gente, que poemas melancolicamente lindos!!! tive que ler “hace um año que te fuiste
tan pronto irás, una vez más
neste exato momento me vejo num quarto
fechado” umas três vezes…
todos poemas de saudade, de lonjuras…
Parabéns!
Fico me maldizendo por só agora ter contato com esse trabalho ótimo da Juliana Amato. Quero notícias do livro. Quero conhecer mais. Quero publicar poemas dela na série AS MULHERES POETAS…Por favor, aguardo dicas. abraço e parabéns.