Janela Poética III

George Pellegrini

 

Juca Oliveira

Arte: Juca Oliveira

 

O Pai (Paisagem amorfa sobre superfície plana)

 
1. [a desculpa]
Por todo esse caminho de ódio
por todo esse chão de abandono
creiam-me, meus filhos
havia uma intenção maior de acudir o mundo

Por isso
tirem-me da cabeça
o perfume das baleias
e o seu candor

Não quero
em inferências
amarrar o tempo
Não quero ditar
com que madeixas amarrar o vento
porque de sol, a vertigem
porque de chão, o suor
porque de lastro, o falar estreito
o fulgor desfeito
o farol

Por isso, filhas de meus caminhos
abracem as estrelas
que passem ao seu alcance
porque viageiras de outras vertigens

Abracem os meus cabelos azuis
meus olhos autóctones
porque únicos
no despenhadeiro da perdição

Abracem as tímidas lágrimas
que um dia irão brotar
como prova do ensinamento aprendiz
Acompanhem seu nascimento
e sua caída louca
como uma intenção suicida

 
2. [a verdade]
E quando todos olhavam
as marginais imagens
produzidas por meus gestos

E quando todos traziam
por baixo das pálpebras turvas
dos olhos comandados
as armas da censura

E quando todos diziam
em inoportuna voz
dos possíveis erros cometidos

Eu lhes ofertava a parede
com a paisagem à óleo
de brincadeiras ao ar livre

Eu lhes ofertava o livro
com histórias da selva
de animais encantados

Eu lhes manchava de amarelo:
um único ponto
na superfície negra
para que explodissem em luz

Eu lhes entregava
o vaso de flores frescas
roubado da mesa contemporânea
de minha tia Anita
de meu tio Orlando
de minha tia Carmélia

 
3. [o castigo]
Vieram sobre mim
os lábios poucos de pão
as mãos ávidas de Maria

Vieram sobre mim
as pedras de Madalena
o golpe na única face
o cuspe ácido das estrelas
a corda cheia de cortes

Vieram sobre mim
a culpa pela insônia
por dias de pesadelo
pela agonia da noite
pelas lágrimas de Ester

 
4. [o discurso]
Há que sair um sol
no céu de infinitas bocas
para incrustar as espécies mínimas
de intenções prosaicas
de todas as línguas
que ao comunicar
transmitem o vírus
da intolerância servil

Hão de perder a coerência
todas as ideias vis
todo discurso alienado
todas as manifestações
em prol da paz e da ordem
de um tempo deserdado

Hão de esvair-se em sangue
as veias abertas pela tormenta
a jugular do medo
a inaproveitável lágrima

Mas há, também
que se encantar com o trivial
os ouvidos autocensurados
por tambores apáticos
por gritos estereotipados

 

5. [o conselho]
Meus filhos
busquem meu perdido rosto
nos velhos álbuns de fotografias
nos antigos negativos embaçados
guardados por suas famílias

Procurem meu desconhecido rosto
nas paisagens bordadas
por suas avós,
onde sempre constarão um girassol
uma casa, uma cerca, uma árvore
uma montanha, um sol

Busquem meus submergidos rostos
nas ações revolucionárias das crianças
quando saltam as pedras
quando inventam rios
quando constroem cidades imaginárias e fantásticas
quando conseguem enumerar as estrelas

 

George Pellegrini vive em Castanhal, no Pará. É professor de Literatura Hispanófona da Universidade Federal do Pará e Mestre em Literatura Espanhola pela Universidad de Sevilla. Tem contos, poemas e artigos científicos publicados em jornais e revistas. O poema aqui publicado integra o livro “As Confissões de Plomo” (Ed. Resistência – 2015), vencedor do Prêmio de Poesia Belém do Grão Pará 2014.

 

 

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1 comentário

  1. Textos em que encontro o meu velho amigo dos primórdios, mas também encontro um Outro que se distanciou de mim, devido às nossas andanças distantes, diversas! Vejo o Poeta forte e maduro que sempre vislumbrei em suas palavras, em sua prosa, em seus versos! Sinto saudade e orgulho! Sinto o nosso amor crescido e reencontrado nesse espaço onde cruzamos com outros destinos: Leila e Fabrício! Grande encontro e cheio de entusiasmo, pois revejo aqui nossas marcas ideológicas e sensíveis de Lorca, de Neruda, e ainda nossos tons de universais grapiunidades! Um beijo de amor, George!

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