Marcus Vinícius Rodrigues
Depois de nós
nada ficou
depois de nós
só este pássaro que atravessa a cidade
depois de nós dois
todas as ruas vazias
nada sobre o asfalto gasto
depois de nós dois feridos
nem isso de saudade
nem um aviso
nada
só este pássaro perdido
que ainda insiste suas asas.
***
Uivo
Já não escuto o que é agudo ou grave
Mesmo as aves são mero voo obscuro.
Ouço apenas os mudos,
estes lobos de olhares ocos
a percorrer bosques de fome,
onde tateio uivos.
***
De como morder
Meu amor não me beija os pés.
Ele morde meus calcanhares.
Eu nunca escapo, embora tente,
e quase sempre engasgo
de também o ter entre os dentes.
***
Tudo que sei
Posso saber do mar distante
Pelo barulho longe
e do sol que brilha
pela sombra que o esconde.
Posso saber que a terra gira
só de olhar para o alto
e, tonto, olhos fechados,
ainda o sangue em correnteza
pela erosão do corpo gasto
na marcha da vida,
sei o que você não disse
na hora da despedida:
– Somos nossa única certeza.
***
Mensageiro
Era como um guerreiro
por entre as farpas do destino,
ia perdido e em seu caminho
colhia espadas que caíam,
o fio cortante de uma lembrança,
a lâmina cega de uma paixão,
o corpo em talhos de quem curar-se
sempre e em vão ainda tenta,
nesta sina de mensageiro
que em si leva a sentença.
Marcus Vinícius Rodrigues nasceu em Ilhéus-BA e vive em Salvador. Escreve ficção e poesia. Publicou os livros “Pequeno inventário das ausências” (Poesia, Prêmio Fundação Casa de Jorge Amado, 2001); “3 vestidos e meu corpo nu” (Contos, P55 Edições, 2009), “Eros resoluto” (Contos, P55 Edições, 2010), “Cada dia sobre a terra” (Contos, Ed Caramurê/EppPublicidade, 2010), “Se tua mão te ofende” (Novela, P55 Edições, 2014) e “Arquivos de um corpo em viagem” (poesia, Editora Mondrongo, 2015). Seu conto “A omoplata” venceu um dos concursos Newton Sampaio, edição 2009, promovido pela Secretaria de Cultura do Estado do Paraná.